quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Manifesto Autogestionário em HTML

Capa do Manifesto Autogestionário, 2a edição (Rizoma Editorial).
VIANA, Nildo. Manifesto Autogestionário. 2a Edição, Rio de Janeiro: Rizoma, 2015.




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Sumário do Manifesto Autogestionário

Capa da primeira edição do Manifesto Autogestionário, 2008 (Achiamé Editora).


Sumário


Prefácio ______________________________________________________________________03

A Burguesia e o Proletariado: A Dinâmica da Luta entre Trabalho Morto e Trabalho Vivo ______________________________________________________06
Burguesia: O Domínio do Trabalho Morto __________________________________08
Proletariado: A Potência do Trabalho Vivo  _________________________________11

A Autogestão das Lutas Operárias ______________________________________________14
da Greve Geral aos Conselhos Operários ___________________________________14
Estado e Burocracia: O Véu da Contra-Revolução ____________________________17
Das Lutas Espontâneas e Autônomas para as Lutas Autogestionárias _____________18

As Tarefas dos Militantes Autogestionários – Estratégia Revolucionária _____________21
O Papel dos Militantes Autogestionários na Teoria Revolucionária _______________21
Militantes Autogestionários e Estratégia Revolucionária Hoje ___________________24
Luta de Classes e Instituições Burguesas____________________________________31
As Tarefas Atuais dos Militantes Autogestionários  ___________________________39
A Autonomização da Classe Operária ______________________________________40
A Autogestão como Resultado Positivo da Guerra Civil Aberta  _________________41

Posição diante das demais Tendências Oposicionistas __________________________43
O Pseudomarxismo Acadêmico  __________________________________________44
O Pseudomarxismo Reformista ___________________________________________46
O Pseudomarxismo Bolchevista  __________________________________________47
O Sindicalismo________________________________________________________48
O “Socialismo” Individualista ____________________________________________49
O “Socialismo” Filosófico _______________________________________________51
O “Socialismo” Romântico ______________________________________________53
O Anarquismo Dogmático _______________________________________________55
O Anarquismo Revolucionário ___________________________________________56
Militantes Autogestionários e Tendências Oposicionistas ______________________57

A Sociedade Autogerida _______________________________________________________59
A Instauração da Autogestão Social _______________________________________60
O Modo de Produção Comunista __________________________________________63

As Formas Sociais Comunistas ___________________________________________65

Prefácio do Manifesto Autogestionário

Prefácio







O presente manifesto é um plágio. Um plágio descarado do Manifesto Comunista de Marx e Engels. E é mais do que um plágio: é um plágio de um plágio, afinal, muitos os acusaram de terem plagiado o Manifesto da Democracia, de Victor Considerant[1].
Marx plagiou Considerant?
O Manifesto da Democracia foi publicado cinco anos antes do Manifesto Comunista, mas somente uma análise detalhada do conteúdo dos dois textos, juntamente com outros elementos, poderia responder a esta questão[2].
De qualquer forma, o presente plágio é formal, embora o conteúdo tenha semelhanças, principalmente nas duas primeiras seções. Este é um alegre plágio atualizador. Seria bom se cada indivíduo escrevesse o seu próprio Manifesto Comunista, pois isto estaria de acordo com uma concepção libertária, segundo a qual cada indivíduo deve se formar e se aperfeiçoar no sentido de se armar para contribuir com o processo emancipatório da humanidade.
O motivo de um plágio nunca é apenas manifestar a arte do plagiador, pois sempre existe outro objetivo: a fama, o dinheiro, entre outras prosaicas motivações burguesas. No entanto, aqui o plágio tem outro objetivo: contribuir com o processo de libertação humana.
A forma do plágio tem sua origem na necessidade de repensar tudo o que foi apresentado no Manifesto Comunista, mas de forma atualizada. Os autores do Manifesto buscaram, na medida do possível, atualizar o texto, tal como se vê nos seus prefácios às edições posteriores. A principal atualização foi o abandono da concepção estatizante em favor de uma concepção autogestionária, mutação ocorrida após a heróica experiência proletária da Comuna de Paris. No entanto, os leitores pouco se preocuparam com as revisões dos prefácios às novas edições. Aqui, o caráter autogestionário é ressaltado, transformando-se no centro do manifesto. Não é uma “correção”, é o princípio fundamental. Além disso, as mudanças históricas pós-manifesto nos deram muitas lições que Marx e Engels incorporariam na obra.
A parte do Manifesto Comunista menos passível de mudanças é a referente à luta entre burguesia e proletariado (cujo título é “burgueses e proletários”). No entanto, aí há mudanças formais para impedir deformações e uma maior clareza ajuda na elaboração de um novo manifesto. Também há a incorporação de uma breve análise do desenvolvimento capitalista recente, apresentando a atual fase do capitalismo e seu processo de crescente decomposição.
O presente manifesto toma como ponto de partida a situação atual, concreta, da sociedade moderna. Realiza uma análise do capitalismo, ponto de partida necessário para se passar para o processo de transformação social e instauração da sociedade autogerida. Iremos apresentar o movimento do capital, isto é, da classe capitalista, do processo de acumulação, apontando suas contradições, e da potencialidade revolucionária que surge no seu interior, no movimento operário. A primeira parte deste manifesto se dedica a esclarecer o processo de exploração e dominação e o processo de luta pela libertação.
A segunda seção focaliza o engendramento do comunismo, da sociedade autogerida, surge como possibilidade e potencialidade na relação-capital. As lutas operárias, desde a formação da classe operária, e de outros setores sociais, apontam para a possibilidade revolucionária, o desenvolvimento da consciência revolucionária, a auto-organização, o engendramento de formas de ações e organizações que são o embrião da futura sociedade autogerida.
Neste processo, nesta luta de classes, temos que nos posicionar, agir. A terceira seção trabalha justamente isto: o que devemos fazer neste processo concreto, real, permanente, de lutas? Qual nosso papel neste contexto? A discussão sobre o papel dos militantes autogestionários (que no Manifesto de Marx e Engels corresponde à seção “Comunistas e Proletários”) é fundamental, principalmente depois da deformação do pensamento marxista realizado pelo leninismo e social-democracia.
Ao discutir nossa ação política, é preciso também analisar a prática política que, em muitos casos, dizem ter objetivos semelhantes ou que podem possuir alguma relação com a nossa posição. Isto nos remete à quarta parte, voltada para discutir as tendências contemporâneas oposicionistas e seus limites. As diversas oposições na sociedade contemporânea devem ser analisadas e ver o seu papel no contexto das lutas sociais atuais.
Por fim, a luta pela sociedade autogerida é a constituição de uma utopia, a realização de sonhos e desejos antigos. Não é possível prever os detalhes da futura sociedade, o que seria utopismo, mas podemos delinear, em linhas gerais, partindo das teorias revolucionárias e das experiências históricas, as características fundamentais da nova sociedade. Neste sentido, dedicamos a última seção a discutir a sociedade autogerida, a realização do sonho da libertação humana, o objetivo e razão de ser deste manifesto.
Para concluir, deixamos claro que este texto é um manifesto. É o ato de manifestar uma determinada concepção política, fundada em determinada teoria da sociedade, com o objetivo de fortalecer a tendência que se deseja. É uma arma de luta e neste sentido não pode poupar nada e ninguém. A arma da crítica vem acompanhada por um projeto autogestionário. É uma obra simultaneamente afirmativa e negativa. Nega o domínio do capital e afirma o domínio dos seres humanos livremente associados, a autogestão. É um manifesto que busca desencadear muitas outras manifestações e destas manifestações possa brotar a manifestação de uma sociedade autogerida.



[1] Veja esta acusação em: Rocker, R. Marx e o Anarquismo. In: Guérin, Daniel e outros. Os Anarquistas Julgam Marx. Brasília, Novos Tempos, 1986. É bastante duvidoso que isto seja verdadeiro. Em primeiro lugar, Considerant dificilmente teria as mesmas teses expostas por Marx, embora pudesse haver semelhanças em alguns pontos; em segundo lugar, O Manifesto Comunista foi inspirado em um texto anterior de Engels, Princípios do Comunismo, a não ser que se considere que este também tenha plagiado o Manifesto de Considerant. Por último, mesmo que haja muitas semelhanças, isto não anula a originalidade de Marx e um anarquista honesto como Luigi Fabri coloca bem isto ao comentar duas frases de Marx (“Proletários de todo o mundo, uni-vos” e “a emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores”): “falamos, compreenda-se, das idéias contidas naquelas duas frases e não apenas das simples palavras. Essas idéias, sob outra forma, haviam sido expostas por outros também, antes de Marx, porém ninguém em seu tempo nem antes que ele, lhes haviam dado tanta importância, e nem as haviam defendido com uma argumentação e documentação histórica tão apaixonada, nem lhes havia, como propaganda tão assídua, assentado tão eficazmente na cabeça dos trabalhadores e de quantos se dedicassem ao estudo do problema social no interesse da classe operária. O mesmo pode-se dizer dos dois conceitos marxistas, que se completam mutuamente, o de luta de classes e o de materialismo histórico. Nos outros escritores socialistas chamados utopistas, anteriores a Marx, e em outros economistas, ainda não socialistas, se encontram muitos de tais conceitos, porém Marx e Engels tiveram o mérito de coordená-los em um sistema, de apresentá-los com uma roupagem científica, de fornecer-lhes uma coesão lógica, de fazê-los, enfim, um argumento de propaganda, uma arma de luta para a classe operária” (Fabri, Luigi. Dictadura y Revolución. Buenos Aires, Projección, 1967, p. 150). 
[2] Depois de ter escrito estas páginas, tivemos acesso à obra de Considerant e a idéia de que Marx tenha plagiado tal obra é totalmente equivocada. Apenas o início dos dois textos, sobre as lutas de classes em sociedades pré-capitalistas é semelhante e mais alguns detalhes. A grande questão é que muitos repetem acriticamente tais afirmações sem conferir os textos originais. Devido a isto estamos preparando uma tradução do livro de Considerant com um prefácio esclarecendo as relações entre as duas obras e o suposto plágio.

Burguesia, Proletariado, Luta de Classes, Trabalho Morto e Trabalho Vivo - Seção 01 do Manifesto Autogestionário

Seção 01:


 

 

 

 

 

Burguesia e Proletariado:

A Dinâmica da Luta entre Trabalho Morto e Trabalho Vivo





A sociedade moderna nasceu e viveu sob o signo da luta de classes. De um lado, a classe possuidora dos meios de produção que explora aqueles que nada possuem além de sua força de trabalho. De outro, aqueles que não possuem os meios de produção e são constrangidos a se submeterem à exploração. A exploração capitalista se realiza através da extração de mais-trabalho sob a forma de apropriação do mais-valor produzido pelos trabalhadores.
Antes da sociedade moderna as coisas eram diferentes. Nas sociedades chamadas “primitivas” não havia classes sociais, exploração, dominação, propriedade privada dos meios de produção. Os seres humanos viviam numa constante busca de garantir sua sobrevivência e para isto realizavam a cooperação no processo de trabalho através de um processo coletivo de produção e distribuição dos bens materiais produzidos. Os seres humanos viviam sob relações sociais igualitárias, sem a existência da propriedade privada.
Com o surgimento da propriedade privada, temos a constituição das sociedades de classes e da luta de classes. Por isso já se disse, “a história da sociedade tem sido, até hoje, a história das lutas de classes”[1]. As classes proprietárias monopolizavam os meios de produção e constrangiam as classes não-proprietárias a se submeter à sua dominação. O trabalho deixa de ser fundado na cooperação igualitária e passa a ser comandado pela divisão social do trabalho, nos quais uns dirigem o processo de trabalho – a classe proprietária – e outros são dirigidos – a classe produtora.
A propriedade privada é uma relação social entre proprietários não-produtores e produtores não-proprietários. É uma relação de classes sociais. A relação entre as classes sociais é marcada pela luta, pelo conflito de interesses, pela dominação e exploração. As classes sociais exploradas não aceitam passivamente esta situação, elas resistem, lutam. É por isso que surge uma instituição voltada para amortecer os conflitos, controlar as classes exploradas, reproduzir as relações sociais existentes. Esta instituição é o Estado, instituição que representa os interesses da classe dominante, mas que se apresenta como estando acima dos conflitos de classes, acima de interesses particulares, como sendo representante do interesse geral da sociedade. Obviamente que tanto a classe dominante quanto o Estado devem ofuscar a dominação e a exploração, bem como seus verdadeiros interesses.
Surgem, simultaneamente, as idéias, representações ilusórias da realidade, que visam naturalizar, eternizar, universalizar as relações de dominação e exploração de uma determinada sociedade. Estas representações ilusórias são as idéias dominantes de uma determinada sociedade e expressam os interesses da classe dominante. Também se constituem determinados valores e sentimentos a partir destas relações sociais marcadas pela dominação e exploração e assim se constitui uma determinada mentalidade em cada época que correspondem aos interesses dominantes.
Com base nestas representações ilusórias, valores e sentimentos, ou, em uma palavra, na mentalidade dominante, surge a ideologia, forma sistemática de falsa consciência que transforma em filosofia, teologia, ciência – em síntese, em pensamento complexo – o conjunto de idéias de uma determinada época. Isto tudo reforça o processo de dominação ao ser introjetado também pelos dominados e explorados.
Ao lado disso ocorre a recusa, a resistência, a luta, das classes exploradas. Desde a luta cotidiana no processo de trabalho até as formas marginais de cultura contestadora, temos a resistência e luta das classes exploradas. Na Europa Ocidental, no escravismo antigo, tínhamos, por um lado, a cidade-estado representando os interesses da classe dos senhores de escravos, os guerreiros, o trabalho compulsório dos escravos, a filosofia enquanto forma de ideologia dominante e; por outro, a fuga de escravos, o assassinato de senhores de escravos, a rebelião escrava – cujo exemplo máximo foi a rebelião de Spartacus.
No Feudalismo, tínhamos, por um lado, a propriedade feudal, a classe feudal e o trabalho compulsório, cobrança de tributos, a Igreja e a religião representando os interesses dominantes, etc.; e, por outro, a resistência dos servos, com o roubo de lenha, a busca do comércio, até chegar às rebeliões messiânicas.
Em todas estas épocas, o que se percebe é uma constante luta entre o trabalho morto e o trabalho vivo. O trabalho morto é o trabalho acumulado em bens materiais, as riquezas produzidas e apropriadas pela classe dominante; o trabalho vivo é a força de trabalho ativa, representada pelas classes produtoras e exploradas. As classes produtoras produzem as riquezas, os bens materiais, mas não usufruem delas. As classes proprietárias nada produzem, mas se apropriam do que foi produzido pela classe produtora. Ao se apropriar das riquezas produzidas pelos produtores, a classe proprietária passa a ter sua força retirada destas mesmas riquezas.
É da propriedade destas riquezas produzidas que a classe proprietária retira seu poder material, sua legitimidade e seu braço armado e intelectual. O poder material vem da própria propriedade, pois as terras, dinheiro, máquinas, ferramentas, tornam todos os demais setores da sociedade dependente dela; a legitimidade advém da propriedade, pois é ela que torna justa cobrar tributos, trabalho, etc. em troca do usufruto de parte desta riqueza; o braço armado (exército, guerreiros, etc.) e intelectual (ideólogos) é pago com parte da riqueza adquirida com a exploração dos produtores, tornando-se parasitas a serviço dos dominantes.
A Burguesia: O Domínio do Trabalho Morto
Na sociedade moderna, a classe proprietária é a burguesia e a principal classe produtora é o proletariado. A burguesia surge na Europa Ocidental, o que se tornou possível devido a uma combinação de mudanças sociais, marcadas pela situação derivada dos destroços da sociedade feudal e pela expansão comercial[2], e se expande pelo mundo todo. Surge uma época marcada por uma forma específica de exploração, fundada no processo de acumulação de capital. A burguesia, classe capitalista, funda seu império através da acumulação primitiva de capital, realizada através da expropriação dos camponeses, pelo sistema colonial e por outras formas de pilhagem.
Uma vez possuindo dinheiro para investir, a classe capitalista desenvolve um processo de expansão da produção industrial, que vai gerar o processo de centralização e concentração do capital. No início temos a pilhagem, a acumulação primitiva de capital, depois temos a interferência da burguesia nascente no processo de produção, transformando os artesãos em trabalhadores assalariados.
O salariato é uma forma de exploração que nem sempre é visível à primeira vista. Os trabalhadores assalariados vendem sua força de trabalho, sua única “propriedade”, aos capitalistas, proprietários dos meios de produção, em troca de um salário. Os capitalistas utilizam a força de trabalho por determinado período de tempo e pagam um salário em troca. No entanto, a produção dos proletários é maior do que o que receberam como salário e do que o que foi gasto com a compra dos meios de produção (matérias-primas, máquinas, instalações, etc.).
Trata-se de um excedente que só pode existir devido ao trabalho humano, vivo, concreto, que transforma as matérias-primas, utilizando ferramentas e máquinas, em um produto novo, com um valor acrescido ao anterior. O trabalho humano realizado acrescenta valor às mercadorias produzidas, produz um excedente. Este excedente produzido pelos proletários é apropriado pelos capitalistas. Estes, apenas com seus meios de produção, não adquiririam nenhum excedente. Este excedente, portanto, é produto do trabalho vivo da classe operária. Esta classe, ao acrescentar valor às mercadorias, ao produzir um mais-valor (ou “mais-valia”), permite a acumulação de capital e o predomínio do trabalho morto sobre o trabalho vivo, isto é, da classe capitalista sobre a classe operária.
Uma vez se apropriando do mais-valor produzido pela classe operária, a classe capitalista realiza o processo de acumulação de capital e reinveste no processo produtivo e assim aumenta sucessivamente o seu capital. Esta acumulação gera o processo de concentração e centralização do capital em poucas mãos e permite o surgimento, com o desenvolvimento histórico, dos oligopólios – quando um pequeno número de empresas domina o mercado. Outra conseqüência desta acumulação é a característica marcante do capitalismo de se expandir e universalizar. O capitalismo surge na Europa Ocidental, em alguns de seus países, e se generaliza neste continente e se expande paulatinamente para o resto do mundo. Os Estados Unidos logo se industrializa e outros países, como a Rússia, o Brasil, entre outros, começam sua industrialização no início do século 20. A universalização do capitalismo ocorre simultaneamente, pois ele invade o conjunto das relações sociais, mercantilizando e burocratizando tudo. A produção de mercadorias passa a atingir a totalidade dos valores de uso na sociedade moderna e os bens não materiais e serviços passam a assumir a forma-mercadoria, ou seja, se torna mercancia[3].
Outra conseqüência da acumulação capitalista é a alteração da composição orgânica do capital. Com o desenvolvimento capitalista, cada vez mais o capitalista gasta em tecnologia, meios de produção e cada vez menos com força de trabalho. Como é esta última que produz mais-valor, então temos a queda da taxa de lucro médio. O trabalho morto se torna cada vez mais amplo e passa a dominar a sociedade, mas ele apenas repassa o seu valor às mercadorias e assim temos, proporcionalmente, cada vez menos produção de mais-valor pela força de trabalho. Isto provoca a tendência da queda da taxa de lucro médio. O modo de produção capitalista cria várias contra-tendências para combater esta queda, desde o aumento da massa de lucro[4] até a intervenção estatal no processo de produção, chegando até mesmo a destruir as forças produtivas, o que é realizado principalmente através das guerras.
Este processo de produção e expansão capitalista não é feito sem agentes. A classe capitalista e suas instituições são os agentes deste processo. O capitalista individual se sente como um feiticeiro que vê forças mágicas dominá-lo. Ele é pressionado pela concorrência das outras empresas capitalistas, pela luta operária, pela produção de outros países, pelos pequenos produtores, pelos limites legais e ação estatal. Assim, seu espaço de ação é limitado. O movimento do capital é o movimento da classe capitalista em seu conjunto e este fornece a dinâmica da sociedade capitalista.
O Proletariado: A Potência do Trabalho Vivo
Mas o capital é uma relação social, uma relação de classe: de um lado a burguesia, cuja força está no trabalho morto, e, de outro, a classe proletária, cuja força está no trabalho vivo. A relação se realiza no processo de produção do mais-valor, relação que caracteriza e constitui estas duas classes sociais. A produção de mais-valor é o que caracteriza o modo de produção capitalista[5]. O movimento do capital é marcado pelo predomínio da classe capitalista que impõe sua lógica de reprodução ampliada do capital, a acumulação capitalista, a ação estatal de acordo com seus interesses e domina o conjunto das instituições e da sociedade. Mas isto não se faz sem luta, sem resistência. A classe operária resiste e sua resistência influencia nos rumos do desenvolvimento capitalista.
Isto pode ser observado na história do capitalismo, que é marcada pela sucessão de regimes de acumulação, produto das lutas de classes. Um regime de acumulação é marcado por uma determinada forma de extração de mais-valor[6] realizada no processo de trabalho, por determinada forma estatal e determinadas relações internacionais. A primeira fase do capitalismo foi marcada pela sua formação incipiente, pela acumulação primitiva de capital e predomínio do capital comercial. O processo de trabalho capitalista era marginal e o sistema colonial e o Estado absolutista eram as fontes da acumulação que permitiria a revolução industrial e a consolidação do capitalismo.
O regime de acumulação que emerge após este período é o extensivo, marcado por uma alta taxa de exploração fundada na extração de mais-valor absoluto, aliado ao neocolonialismo e ao Estado liberal (século 18 e primeira metade do século 19). Ele foi substituído pelo regime de acumulação intensivo, caracterizado pela busca de aumento de extração de mais-valor relativo via organização do trabalho (taylorismo) e pelo Estado Liberal-Democrático e Imperialismo Financeiro, fundado na exportação de capital-dinheiro (segunda metade do século 19 e primeira metade do século 20).
Após a Segunda Guerra Mundial temos um novo regime de acumulação, o intensivo-extensivo, no qual predomina o fordismo enquanto organização do trabalho (busca de aperfeiçoamento do taylorismo com o mesmo objetivo, aumentar extração de mais-valor relativo, através principalmente do uso da tecnologia), o Estado integracionista (de “bem estar social”, ou “social-democrata”) e o imperialismo transnacional. Este entra em crise na década de 60, mas somente na década de 80 do século 20 é que temos um novo regime de acumulação, o regime integral. Este combina a busca de aumento da extração de mais-valor absoluto e relativo (“reestruturação produtiva”), e uma nova forma estatal, o Estado neoliberal, juntamente com um imperialismo mais agressivo e beligerante, o neoimperialismo. A ordem do regime de acumulação integral é: aumentar a exploração de todas as formas e em todos os lugares!
Esta sucessão de regimes de acumulação expressa a tendência do desenvolvimento capitalista, marcado pelas lutas operárias e pela tendência de auto-dissolução do capitalismo devido à queda da taxa de lucro médio. O modo de produção capitalista, a cada novo regime de acumulação, encontra dificuldades maiores para se reproduzir. A passagem do regime de acumulação extensivo para o regime de acumulação intensivo foi provocada tanto pelas necessidades da acumulação capitalista quanto pela luta operária. A expansão da produção capitalista em diversos países trazia um processo de ampla acumulação de capital e a oligopolização e a luta operária pela redução da jornada de trabalho ao ser vitoriosa, criou um processo de crise. A Comuna de Paris representou o seu golpe de misericórdia que marcou a passagem para o regime de acumulação intensivo, que logo foi abalado pelas novas lutas operárias que se iniciam na aurora do século 20 e se intensificam até que as derrotas operárias marcam a ascensão do nazi-fascismo e a Segunda Guerra Mundial.
O regime de acumulação intensivo-extensivo que lhe sucede parece ser marcado pela estabilidade do capitalismo. No entanto, ele apenas expressa um momento em que todos os países do mundo já são hegemonicamente capitalistas e que o processo de exploração e conflito se torna mais agudo nos países capitalistas subordinados (o dito “terceiro mundo”). Isto ocorre devido ao processo de expansão das empresas transnacionais acaba realizando transferência de mais-valor do capitalismo subordinado para o capitalismo imperialista. Parte do mais-valor extorquido – de forma extensiva, isto é, fundamentalmente extração de mais-valor absoluto – dos trabalhadores locais acaba sendo drenada pelas potências imperialistas.
Com o desenvolvimento capitalista, mesmo estes países se encontram diante de uma nova crise a partir da década de 60 do século 20. As lutas e ditaduras militares são expressão do desenvolvimento capitalista contraditório que gera o regime de acumulação integral, no qual se busca aumentar simultaneamente a extração de mais-valor absoluto e de mais-valor relativo, inclusive nos países imperialistas. Este novo regime de acumulação marca uma ofensiva da classe capitalista em reposta às lutas operárias da década de 60 e das dificuldades crescentes da reprodução capitalista a nível mundial. As lutas operárias começam a se esboçar em reação a este processo de intensificação da exploração[7].
Neste contexto, mudanças nas lutas políticas institucionais, tal como ascensão e fortalecimento das tendências regressivas (neonazismo, misticismo, etc.) e novas formas de integração de setores da sociedade, através principalmente do micro-reformismo[8], além do esboço de ascensão das lutas dos trabalhadores e demais movimentos sociais.
A luta entre trabalho morto e trabalho vivo é uma luta entre burguesia e proletariado que faz parte da essência do capitalismo. Esta luta mostra o predomínio do trabalho morto sobre o trabalho vivo.
Este processo mostra, também, a potência do trabalho vivo, que busca abolir a dominação do trabalho morto para instaurar o predomínio do trabalho vivo, abolindo o capital e o trabalho assalariado e instaurando a sociedade autogerida. Este processo ocorre nas lutas de classes e o proletariado é o agente que busca efetivar esta nova época da história da humanidade. O trabalho vivo é a fonte da produção de riquezas e ao deixar de ser dominado pelo trabalho morto, cria uma nova sociedade, onde o trabalho morto não possui autonomia e domínio sobre os seres humanos. Neste momento, a história da humanidade passa a ser autogerida por ela mesma.



[1] Marx, Karl & Engels, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo, Global, 1988.
[2] Cf. Viana, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003.
[3] A mercadoria é um valor de uso (bem material) e ao mesmo tempo um valor de troca (valor monetário) que é produzida pelo trabalho humano e sua produção ocorre, na empresa capitalista, devido ao fato de que a força de trabalho acrescenta valor à mercadoria, mais-valor, e assim possibilita o lucro. O que aqui chamamos “mercancia”, ou “forma-mercadoria”, são bens não materiais (com algumas poucas exceções), são geralmente bens culturais ou coletivos, tais como serviços (comércio, educação, atendimento médico, etc.) que assumem a forma de uma mercadoria capitalista sem assumir seu conteúdo, isto é, são “valores de troca” que, embora sejam produzidos pelo trabalho humano, não produzem mais-valor, não estão inseridas na dinâmica da produção e reprodução capitalista de bens materiais. No entanto, ele produz lucro para o capitalista, mas não se trata de produção de mais-valor e sim fornecimento, e o lucro é extraído pela remuneração feita pelo Estado ou outros setores do capital ao invés de provir diretamente da força de trabalho.
[4] A taxa de lucro é o quantum de mais-valor contido numa mercadoria enquanto que a massa de lucro é o total de lucro adquirido com a produção de mercadorias, isto é, no primeiro caso, temos um dado sobre a extração de mais-valor em uma mercadoria em termos percentuais enquanto que, no segundo caso, temos apenas o lucro em sua totalidade. Assim, se uma mercadoria possui 50% de quantum de mais-valor e ele caí para 30% mas a quantidade de mercadorias de 100 sobe para 500, temos uma queda da taxa de lucro de 20% mas um aumento da massa de lucro de 400%. Considerando que o preço de cada unidade é 01 real, temos, então, um lucro que cai de 50 centavos para 30 centavos e isto significa que, de cada 100 unidades, tínhamos um lucro de 30 reais mensais, no primeiro caso, e, no segundo, com o aumento da massa de lucro, 150 reais. Assim, tivemos a queda da taxa de lucro e o aumento da massa de lucro. O grande problema do constante aumento da massa de lucro é que é preciso manter-se indefinidamente e é preciso vender as mercadorias, isto é, ampliar constantemente o mercado consumidor.
[5] Neste sentido, as afirmações de que o modo de produção capitalista é um “modo de produção de mercadorias” é apenas parcialmente verdadeira, pois existem outras formas de produção de mercadorias. Assim, esta afirmação só é verdadeira se se acrescentar que é um modo específico de produção de mercadorias, e sua especificidade se encontra na produção de mais-valor, onde reside a exploração e a constituição da burguesia e do proletariado.
[6] Marx colocava a existência da extração de mais-valor absoluto (fundado na extensão da jornada de trabalho) e da extração de mais-valor relativo (fundado na produtividade, isto é, na produção realizada numa determinada jornada de trabalho), no qual um aumentava ou diminuía com de acordo com a extensão da jornada de trabalho (a diminuição da jornada de trabalho para 08 horas significou, portanto, diminuição da extração de mais-valor absoluto) ou com a intensidade da produção nesta jornada de trabalho (em uma jornada de trabalho de oito horas, se a produção aumenta, então há um aumento de extração de mais-valor relativo).
[7] Esta mudança atinge a todas as instâncias da vida social, ampliando a mercantilização das relações sociais, realizando uma contra-revolução cultural preventiva expressa no pós-estruturalismo em suas diversas manifestações, incluindo o “pós-marxismo”, “pós-colonialismo”, o “multiculturalismo”, etc. Cf. Viana, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Idéias e Letras, 2009.
[8] O microrreformismo é a busca de reformas que só atendem demandas de determinados grupos sociais, sem interferir na macro-política ou em reformas sociais gerais, tal como propunha a antiga social-democracia. O microrreformismo se adéqua como uma luva nas políticas paliativas de assistência social do neoliberalismo, que evita reformas profundas ou grandes investimentos, tal como é o caso das políticas de cotas.

A Autogestão das Lutas Operárias - Seção 02 do Manifesto Autogestionário

Seção 02:








A Autogestão das Lutas Operárias





A luta operária é uma luta diária, cotidiana, que é travada contra a exploração e o trabalho alienado. Os trabalhadores não controlam seu trabalho, não se realizam nele, mas, pelo contrário, são coagidos, explorados, dominados. Assim, mesmo sem ter consciência do processo de exploração, o proletariado luta. A luta se manifesta sob as mais variadas formas, como absenteísmo, quebra de máquinas, reivindicações, etc. Esta luta ou é espontânea ou é moderada e controlada por entidades como sindicatos, partidos, Estado. Ela acompanha a história do capitalismo e nunca deixa de existir.
Em certos momentos históricos, há um avanço na luta operária: as lutas cotidianas se tornam lutas autônomas. Os proletários se libertam das instituições que dizem representá-los, radicalizam suas lutas, colocam reivindicações mais radicais. Esta autonomização do proletariado é uma nova etapa da luta que pode marcar a passagem para a terceira e fundamental fase: a das lutas autogestionárias. É nesta passagem que se vê o embrião da nova sociedade, um desenvolvimento da consciência revolucionária, um processo de auto-organização. E o movimento operário realiza isto tudo através do movimento grevista.
Da Greve Geral aos Conselhos Operários
As greves surgem e desaparecem. Elas são eleitorais, oportunistas, salariais, radicais. A greve é um fenômeno complexo e sua realização possui várias determinações. No entanto, deixando de lado o movimento grevista impulsionado pelas organizações burocráticas como sindicatos, partidos, etc., temos uma ação proletária que realiza uma mobilização e organização dos trabalhadores em determinada unidade de produção ou categoria profissional. O movimento grevista surge como uma forma de organização e despertar da consciência coletiva para as más condições de trabalho, os baixos salários, protesto social, entre outros elementos.
As diversas formas de paralisações da atividade laboral antes do advento da consolidação do capitalismo moderno são antecedentes históricos das greves operárias. As primeiras greves operárias – como não poderiam deixar de ser – provocavam uma violenta reação estatal. Na França, as primeiras grandes greves dos mineiros abriram brechas e em 1864 o direito de greve foi reconhecido. O movimento grevista na França foi bastante forte durante o século 19. Neste período, ocorriam greves corporativas, limitadas as determinadas categorias profissionais (na França, os mineiros se destacavam). As greves logo deixam de ser corporativas e passam a ser interprofissionais, sendo que estas passaram a ocorrer em território nacional até se transformar em greve geral. Esta passagem se deu pela solidariedade entre setores do proletariado ou por greves políticas, exigindo ou combatendo determinadas medidas políticas.
A idéia de greve geral já existia desde meados do século 19, mas somente no final desde século e início do século 20 que ela se tornaria uma prática política do movimento operário. As grandes greves deste período se espalharam pelo mundo, e tiveram ressonância e influência na história do movimento operário, tal como as greves na Bélgica, França e Rússia. No caso russo, durante a revolução de 1905, a emergência dos conselhos operários (sovietes) é resultado do movimento grevista. Este movimento continuou em escala mundial, atingindo inclusive países mesmo de capitalismo retardatário, tal como a Hungria e o Brasil.
A partir de 1910 uma nova onda de greves assola a Europa, gerando conselhos operários e acompanhando várias tentativas de revolução proletária, tal como no caso da Alemanha, Itália, Rússia, Hungria, entre outros países. As derrotas das tentativas de revolução proletária, a Segunda Guerra Mundial e a relativa estabilidade do capitalismo dos países imperialistas promoveram um refluxo do movimento grevista na Europa, mas manteve-se relativamente forte nos países de capitalismo subordinado. Nos anos 60 houve uma retomada do movimento grevista na Europa e em outros locais, mas ao mesmo tempo em que isto ocorria, a ofensiva da classe capitalista após os anos 70 e o desemprego crescente também promoveu um refluxo. A partir de então o movimento grevista passou a viver uma situação de fortalecimento e enfraquecimento, assumindo formas esporádicas e mais ou menos consolidadas dependendo da época e país.
A greve, enquanto mera paralisação das atividades, expressa uma luta contra o capital, já que compromete a extração de mais-valor. A extração do mais-valor é interrompida e por isso esta é a forma mais eficiente de pressão operária sobre o capital. É também por isso que as instituições que dizem representar os trabalhadores e, no fundo, representam o capital, já não incentivam o movimento grevista e quando podem evitam e desmobilizam as propostas e tentativas de greves. No entanto, o movimento grevista pode, uma vez desencadeado, se radicalizar e se tornar ainda mais perigoso para o capital. Trata-se da passagem para uma forma mais radical de greve, a greve de ocupação. Nesta, os trabalhadores não apenas paralisam as atividades, mas tomam conta das fábricas, das unidades de produção, impedindo qualquer forma de abdicação ao movimento grevista e reativação da produção. Os proletários realizam uma permanente mobilização, comunicação, o que permite um avanço da consciência e a constituição de novas relações sociais.
Este processo culmina com a greve de ocupação ativa, uma radicalização e aprofundamento da greve de ocupação, que marca já um passo rumo ao questionamento da propriedade privada, das relações de produção capitalistas. Este processo de greve de ocupação ativa exige, para significar um verdadeiro movimento revolucionário, a generalização para um conjunto significativo de unidades de produção. Ao ocorrer tal processo, ocorre, simultaneamente, uma forma superior de auto-organização, a formação dos conselhos de fábrica. Os conselhos de fábrica passam a gerir as fábricas e fazê-las funcionar de forma autogerida.
Esta ampliação da auto-organização dos trabalhadores se expande para outros setores da sociedade, tal como nos locais de moradia, estudo, etc. Surge, neste contexto, simultaneamente, os conselhos de bairros e outras formas de auto-organização, tal como os conselhos de segurança (milícias operárias). O processo de generalização da greve de ocupação ativa e da formação de conselhos de fábrica permite a articulação de diversas unidades produtivas em determinada cidade ou região, através de sua articulação com os conselhos de bairros e outros tipos de conselhos, criando os conselhos operários, a forma conselhista de autogestão social que realiza a articulação da sociedade em escala geral.

Estado e Burocracia: O Véu da Contra-Revolução
A burguesia é a classe dominante e se caracteriza por se apropriar do mais-valor produzido pelo proletariado. Assim, a classe capitalista, burguesa, e a classe operária, proletária, são as duas classes sociais fundamentais do capitalismo, as classes autênticas geradas pelo modo de produção capitalista. Porém, existem outras classes sociais, oriundas de modos de produção não-capitalistas ou das formas de regularização das relações sociais (doravante chamadas sinteticamente “formas sociais”). A manutenção da dominação burguesa tem como suporte o Estado capitalista, a principal forma de regularização das relações sociais no capitalismo. Porém, o Estado capitalista não é dirigido, na maioria dos casos, diretamente pela classe capitalista, e sim pela burocracia estatal.
O que é a burocracia? É uma classe auxiliar da burguesia. A classe capitalista ao drenar a produção de mais-valor acaba tendo que realizar a repartição do que foi extorquido do proletariado. Além dos gastos de produção e com os salários dos trabalhadores, a burguesia transfere parte do mais-valor para o Estado e para sustentar suas classes sociais auxiliares. Estas executam trabalho improdutivo, isto é, são trabalhadores assalariados improdutivos, não produzindo mais-valor e tendo sua renda adquirida através do processo de exploração do proletariado, através do salário pago pelo Estado ou por empresas capitalistas. A burocracia estatal, os agentes que fazem a máquina do Estado funcionar, bem como outros setores da burocracia (empresarial, partidária, sindical, etc.) é uma classe social auxiliar da burguesia, executando o papel de controlar o proletariado, amortecer os conflitos sociais e reproduzir a exploração.
A burocracia é uma classe que se julga neutra. Isto ocorre devido a ela se aproximar da classe capitalista pela sua cultura e rendimentos, embora se distinguindo por não ser proprietária dos meios de produção, bem como se aproxima do proletariado pela forma de sua remuneração, assalariada, mas se distingue dele por não ser um grupo dirigido e sim dirigente, além da diferença de cultura e rendimentos. A burocracia se divide em diversas frações e extratos e, devido a isso, algumas estão mais próximas do proletariado (renda mais baixa, situação social inferior) e outras mais próximas da burguesia, formando suas tendências mais radicais e moderadas, respectivamente. No entanto, devido seu caráter de classe, enquanto classe, a burocracia é contra-revolucionária, mesmo quando se alia ao proletariado, pois neste caso quer ser dirigente do processo revolucionário e assim reproduzir as relações dirigentes-dirigidos, tornando-se uma nova classe dominante ou se metamorfoseando em burguesia de Estado. A burocracia pode promover uma contra-revolução atuando “por cima” (a burocracia estatal utilizando a repressão, a cooptação, e outros mecanismos inibidores da ação revolucionária do proletariado) ou “por baixo” (os baixos extratos da burocracia, mais radical e próxima do proletariado, que é gerada por partidos, sindicatos, etc.) ao buscar dirigir o proletariado para tomar o poder estatal.
A burocracia estatal, a mais poderosa fração da burocracia, é formada pelos quadros dirigentes dos setores permanentes do Estado (exército, poder judiciário, aparato estatal) e provisórios (governo) e se coloca numa posição de neutralidade, reproduzindo a ideologia de que são “funcionários do universal”. Porém, o Estado capitalista, assim como o Estado em geral, é, por natureza, contra-revolucionário. A razão de ser do Estado é justamente a existência da luta de classes e por isso ele é parte desta luta, estando sempre do lado da classe dominante. A autonomização da burocracia estatal ou a tomada do poder do Estado por outros setores da burocracia (partidária, sindical, etc.) significam nada mais nada menos do que a realização da contra-revolução. Outros setores oriundos de outras classes sociais, uma vez tomando o poder estatal, metamorfoseiam-se em burocracia estatal e realizam a contra-revolução. Desta forma, a ideologia da conquista do poder estatal pelo proletariado é contra-revolucionária. O Estado não deve ser conquistado e sim destruído. A manutenção do Estado significa a permanência da dominação e da exploração. A abolição do Estado é condição de possibilidade da emancipação humana.
Das Lutas Espontâneas e Autônomas às Lutas Autogestionárias
A luta operária é uma luta cotidiana contra a burguesia. Tal luta se realiza no plano cultural, através das contradições e resistências; nas fábricas, através do absenteísmo, das diversas formas de manifestação das insatisfações, do desinteresse; nas instituições burguesas, através de sua recusa passiva ou ativa; em todos os momentos e locais. Mas esta é uma luta que é limitada, pois falta consciência revolucionária e auto-organização. Esta forma de luta não ultrapassa o poder burguês, apenas coloca alguns limites a ele, que, dependendo do contexto, da época e lugar, é algo bastante limitado. Ela não interfere na acumulação capitalista, não corroí o poder estatal, não questiona as relações de produção capitalistas diretamente, não constitui uma associação operária, etc. Apesar disso é uma forma de luta e resistência que acompanha toda a história do capitalismo e a cotidianidade na sociedade burguesa. As lutas espontâneas expressam o primeiro estágio das lutas operárias contra o capital, que ocorre na instância da produção e em todas as demais instâncias da vida social, mas que não ultrapassa a dominação capitalista. Historicamente, esta primeira e elementar fase da luta operária é substituída pelas lutas autônomas e, posteriormente, pelas lutas autogestionárias[1].
Esta fase de lutas espontâneas é superada quando há a passagem para formas de lutas mais radicais, as lutas autônomas. Durante as lutas autônomas, a classe operária toma a iniciativa em suas mãos e dispensa a mediação burocrática de partidos e sindicatos. Ela expressa uma radicalização do movimento operário. A força coletiva do proletariado se manifesta, criando formas coletivas de ação e consciência através da greve, do comitê de greve, do piquete, do panfleto. Porém, ainda não se trata de luta revolucionária, embora tenha avançado para uma forma mais consciente, coletiva. Já manifesta uma recusa do capital e da burocracia. A derrota, no entanto, marca a volta à normalidade capitalista. É uma ação revolucionária sem consciência revolucionária.
A fase das lutas autônomas é substituída por uma nova fase das lutas operárias, as lutas autogestionárias. Esta fase marca um avanço na ação, que se torna mais radical; na consciência, que se torna revolucionária; e na auto-organização, que se desenvolve, criando a associação operária sob a forma de conselhos, comunas, etc. A hegemonia revolucionária do proletariado se expande por toda a sociedade e o objetivo de transformar radicalmente as relações sociais se consolida nas mentes dos indivíduos das classes exploradas. A autogestão das lutas ocorre concomitantemente com a autogestão das fábricas, lojas, empresas, bairros, escolas, etc. A recusa do capital, do Estado, da burocracia partidária se torna uma realidade concreta.
A classe dominante busca manter a classe operária e os demais setores da sociedade ao nível das lutas espontâneas. Isto é reforçado por indivíduos que encontram dificuldades de ultrapassar esta fase, bem como forças políticas e a burocracia partidária/sindical que busca impedir a radicalização e autonomização do movimento operário para manter seu controle e poder.
Quando estas são substituídas pelas lutas autônomas, o capital busca frear, controlar, combater, cooptar, corromper. A burocracia sindical e partidária se opõe, tenta recuperar o controle. No plano cultural, tanto a classe dominante quanto a burocracia buscam frear o movimento operário e a consciência de indivíduos e grupos. É por isso que a tendência natural das lutas operárias é obstaculizada pela ação das classes opostas e que as lutas espontâneas não se transformam constantemente em lutas autônomas. Quando existe a ameaça de passagem de lutas autônomas para lutas autogestionárias, a classe capitalista e a burocracia buscam frear a passagem, através de ideologias, falsas promessas, concessões. Alguns indivíduos proletários e ativistas políticos não ultrapassam o nível das lutas autônomas, não buscam radicalizá-las e passam a idealizar esta fase ascendente, mas ainda limitada da luta operária, congelando-a, e, assim, contribuindo com as forças conservadoras.
Quando as lutas autônomas são substituídas pelas lutas autogestionárias, o conflito se torna mais grave, a guerra civil oculta se transforma visivelmente em guerra civil aberta e ambos os lados radicalizam suas ações e a vitória da classe capitalista ou da burocracia significa a contra-revolução, enquanto que a vitória da classe operária significa a instauração da autogestão social.



[1] Jensen, K. Os Limites do “Autonomismo”. Revista Ruptura. Ano 08, no 07, Agosto de 2001.

A tarefa dos militantes autogestionários e a estratégia revolucionária - Seção 03 do Manifesto Autogestionário

Seção 03









As Tarefas dos Militantes Autogestionários


Estratégia Revolucionária






O Papel dos Militantes Autogestionários na Teoria Revolucionária
O movimento autenticamente revolucionário sempre evitou elaborar uma estratégia revolucionária. Para este movimento, a verdadeira estratégia revolucionária se expressava na luta operária, ou seja, na prática do movimento operário. O papel dos militantes revolucionários era acompanhar a dinâmica do movimento operário e buscar radicalizá-lo a ponto de criar uma situação revolucionária. Foi assim que Marx, Korsch, Pannekoek, entre outros, teorizaram sua prática revolucionária. Em uma palavra, o papel dos militantes revolucionários é seguir a dinâmica do movimento operário.
As deformações do marxismo conseguiram apagar a necessidade de subsunção dos revolucionários ao movimento operário. Os “revolucionários” se autonomizaram em relação à classe e passaram a querer controlá-la. É neste sentido que vão as teses do reformismo (Bernstein, Kautsky) e do bolchevismo (Lênin, Trotski, Stálin). Assim, o partido é supervalorizado e cria-se a ideologia da vanguarda. Nisso tanto o reformismo quanto o bolchevismo concordam: a classe deve ser dirigida pelo partido.
Ao negar a autogestão das lutas operárias pela classe operária e deslocá-la para o âmbito das lutas do partido rumo à conquista do poder político (seja pela via institucional tal como proposto pelo reformismo, seja pela via insurrecional tal como proposto pelo bolchevismo), essas teses demonstram seu caráter contra-revolucionário. Busca-se controlar o movimento operário ao invés de desenvolvê-lo[1]. Com isso a política praticada deixa de ser uma política de classe para ser a política de uma elite que diz representar a classe. O resultado disso é que uma vez no poder essa elite irá reproduzir a prática controladora e, portanto, as relações de poder entre dominantes e dominados e para isso conta com uma ideologia que a justifica: a ideologia da vanguarda (Lênin, Kautsky). O reformismo e o bolchevismo são expressões políticas da burocracia partidária, bem como suas ideologias.
O marxismo original – Marx e Engels – não caiu nesta armadilha e com a dignidade de quem possui uma consciência revolucionária denunciaram os perigos do vanguardismo[2]. A ênfase deve ser colocada na totalidade da classe e não em frações ou organizações que dizem representá-la. Se o marxismo original foi deformado pelo reformismo e pelo bolchevismo, o seu núcleo revolucionário foi conservado e aperfeiçoado pelos seus autênticos continuadores. O marxismo revolucionário retoma um princípio básico do marxismo original: “o que é necessário é conceber o proletariado como classe e conduzir a sua atividade para a luta revolucionária numa base e num quadro os mais vastos possíveis”[3]. Portanto, a revolução só pode ser compreendida nos quadros do movimento operário. Ela só pode ser feita pela totalidade da classe em seu movimento e nunca por frações de classe ou organizações que dizem representá-la.
Se o marxismo original (Marx e Engels) e o marxismo revolucionário posterior (Pannekoek, Rühle, Korsch, Mattick, Rosa Luxemburgo, E. Bloch, etc.) elaboraram uma teoria geral da revolução proletária e daí derivou o papel dos militantes revolucionários, ele deixou a desejar quanto à forma da atividade revolucionária destes militantes. Rosa Luxemburgo foi quem mais avançou na questão da forma de atividade dos militantes revolucionários. Ao observar que a revolução é obra do “eu coletivo” da classe trabalhadora, Rosa Luxemburgo pôde compreender que a espontaneidade do movimento operário é revolucionária. Assim, ela pôde compreender o caráter conservador dos partidos e sindicatos, pois estes pretendiam controlar o movimento operário. Entretanto, em parte devido à época em que vivia, Rosa Luxemburgo não elaborou uma crítica radical de partidos e sindicatos, mas sim uma crítica parcial. Mesmo assim, ela deixou claro que os militantes revolucionários “não pode(m) nem deve(m) aguardar de braços cruzados, com fatalismo, que se produza uma ‘situação revolucionária’, não pode(m) esperar que esse movimento popular espontâneo lhe caía do céu. O seu dever é, pelo contrário e como sempre, antecipar-se à evolução das coisas, é procurar apressá-las”[4]. O problema é que Rosa Luxemburgo ainda leva em consideração, apesar das críticas, o papel do partido político de massas.
Rosa Luxemburgo retomou o papel dos revolucionários no processo da revolução social, mas ao fazer isto criou um novo problema para o marxismo revolucionário. Ela acertou ao declarar e necessidade de ação dos militantes revolucionários, mas equivocou-se ao supor que estes deveriam estar ligados ao partido social-democrata. Este equívoco é provocado pela idéia de unidade entre social-democracia e movimento operário que ela mesma já havia notado que não se dava na prática.
Os marxistas revolucionários conhecidos como comunistas conselhistas (Korsch, Pannekoek, Rühle, Gorter, etc.) foram aqueles que efetivaram a crítica mais radical e correta de partidos e sindicatos. Mas não elaboraram com tanta riqueza teórica qual seria o papel dos revolucionários assim como fizeram em relação à teoria da revolução proletária[5].
Militantes Autogestionários e Estratégia Revolucionária Hoje
Hoje, podemos dizer que é necessário, tendo como base as contribuições do marxismo revolucionário, elaborar uma estratégia revolucionária para que a atividade dos militantes revolucionários se torne uma prática política consciente e ligada intimamente aos interesses históricos do proletariado, ou seja, aos interesses da luta pela autogestão. A estratégia revolucionária deve ser compreendida como a forma de luta política dos militantes revolucionários, submetida aos interesses e ao desenvolvimento do movimento real dos trabalhadores objetivando a constituição da sociedade autogerida.
Portanto, para se elaborar essa estratégia revolucionária é preciso apreender o processo histórico real que engendra a revolução proletária. A luta operária é essencialmente a luta pela destruição das relações de produção capitalistas e pela instituição das relações de produção comunistas. Isto é coerente com o primado do modo de produção sobre as outras instâncias da vida social. A luta de classes na produção é um movimento espontâneo do proletariado de recusa da alienação (heterogestão) e de afirmação da autogestão.  A opressão e exploração, resultados da alienação existente na produção cria a insatisfação e resistência dos operários que lutam espontaneamente e sob diversas formas contra o despotismo fabril. Essa luta se torna ação voluntária quando se declara a greve. Esta ao se generalizar e se tornar greve geral marca um novo período da luta de classes na produção: o período de questionamento da própria produção capitalista. Trata-se do primeiro passo para a greve de ocupação ativa e sua generalização, ou seja, para a instituição da autogestão nas fábricas e implantação da dualidade política.
Não basta, entretanto, assegurar a autogestão das fábricas e bairros pelos conselhos revolucionários, pois estes serão combatidos pelo principal aparato de reprodução das relações de produção capitalistas: o estado burguês. A autogestão generalizada da sociedade só se realizará a partir do momento em que os conselhos revolucionários se fortalecerem e generalizarem a ponto de destruírem o estado capitalista. A derrocada do estado capitalista significa que a “dualidade de poderes”[6] se resolve em favor dos conselhos revolucionários e implanta-se a autogestão social.
O papel dos militantes autogestionários é, envolvidos na dinâmica da luta operária, acelerar o processo revolucionário e reforçar as condições necessárias para a vitória do proletariado. É necessário desencadear uma intensa luta cultural e política com o objetivo de jogar as classes desprivilegiadas na luta direta pela sua emancipação e criar a ação revolucionária das classes exploradas.
A estratégia revolucionária deve ser concebida de forma articulada e o seu conteúdo é determinado pelo desenvolvimento da luta operária. A estratégia revolucionária deve articular reforma e revolução, movimento e objetivo. A separação mecânica entre movimento e objetivo leva ao reformismo ou ao imobilismo. Ao eleger o movimento, a política imediata, como o conteúdo da luta política e abandonar o objetivo final para um futuro distante, adere-se ao reformismo e ao oportunismo. Destrói-se, assim, qualquer possibilidade de efetivar uma prática política ética voltada para a realização de um projeto político, pois o oportunismo e o reformismo desconhecem o objetivo final. Na verdade, o esquecimento do objetivo final revela apenas a mudança de objetivo, o abandono do projeto de emancipação humana em proveito dos interesses das classes privilegiadas na manutenção do capitalismo, o que traz benefícios pessoais para os indivíduos que aderem a tal posição política.
Ao se considerar o objetivo como a questão única e desconsiderar o movimento e a luta política imediata, adere-se ao imobilismo e ao utopismo abstrato. Apega-se, assim, a um projeto político tomado isolado de uma prática política que colabore com sua materialização. Cria-se, então, a impossibilidade de se executar qualquer prática política. Resta, no máximo, o discurso. Apesar do próprio discurso ser uma prática política, se o seu conteúdo pregar um abstrato objetivo final para o milênio que vem ou então que não pode ser acompanhada de nenhuma outra prática, acaba se tornando um obstáculo ao processo revolucionário, ao invés de apoio a ele.
A construção de uma unidade entre movimento e objetivo supera tanto o oportunismo quanto o imobilismo. Existe entre movimento e objetivo uma unidade e ao mesmo tempo uma oposição. Todo movimento caminha em um sentido determinado, ou seja, rumo a um objetivo definido pelo próprio movimento. Acontece que um movimento político de classe não existe isolado, mas sim relacionado com outros movimentos que lhe são complementares, diferentes ou opostos. A unidade entre o movimento da classe operária e o projeto político implícito nele acontece quando este movimento permanece livre das impurezas contra-revolucionárias do movimento da(s) classe(s) antagônicas(s). A oposição ocorre quando o movimento é desvirtuado pela ação da(s) classe(s) oposta(s).
O papel dos militantes autogestionários é acelerar o processo revolucionário e, ao mesmo tempo, criar as condições necessárias que reforcem as posições do proletariado na arena política. Portanto, a luta por apenas criar uma situação revolucionária é falha se não houver simultaneamente uma luta por uma nova correlação de forças favorável ao proletariado. Ocorre, porém, que a criação de uma situação revolucionária significa a alteração da correlação de forças neste sentido, mas que precisa ser a mais favorável possível ao proletariado. Isto significa que antes mesmo da situação revolucionária é necessário buscar criar uma nova correlação de forças, que pode, inclusive, colaborar com a criação desta situação revolucionária.
Uma das fraquezas do movimento revolucionário tem sido a incapacidade de articular a luta revolucionária às lutas reivindicativas do cotidiano[7]. A idéia de que as vitórias parciais sob o capitalismo seriam por ele incorporadas cria uma separação mecânica entre reforma e revolução[8]. É preciso ter a percepção de que as lutas imediatas são elementos importantes na busca do objetivo final, desde que não sejam isoladas e tornadas auto-suficientes. A articulação entre “reformas revolucionárias” e revolução é necessária porque não basta criar uma situação revolucionária, pois é preciso criar também condições favoráveis para a vitória do proletariado.
Mas o que são reformas não-reformistas? As reformas não-reformistas são reformas para a revolução[9]. Elas criam brechas revolucionárias que alteram a correlação de forças beneficiando o proletariado em sua luta contra o capital. Forma-se, assim, um espaço político favorável às forças revolucionárias[10].
Entretanto, as vitórias parciais sob o capitalismo possuem realmente a tendência de serem incorporadas pelo capitalismo e é por isso que essa tese é forte e verdadeira. Assim se torna necessário ver quais reformas são realmente “revolucionárias”. Para definir quais reformas são “revolucionárias” devemos, partindo do principio geral de que elas criam centros de contra-poder, fazer uma separação entre estratégia específica e estratégia global. A estratégia específica é aquela aplicada em determinado movimento social (ecológico, estudantil, feminista, negro, etc.) ou em determinado local (moradia, lazer, trabalho) e a estratégia global é aquela aplicada ao movimento operário em geral e na sociedade em sua totalidade.
Existe, também, na relação entre estratégia específica e estratégica global, uma unidade e uma oposição. A unidade se dá quando o conjunto de estratégias específicas reforça o desenvolvimento da estratégia global e vice-versa. A oposição ocorre quando a estratégia global avança, mas o conjunto, ou grande parte deste, de estratégias específicas não acompanham sua evolução acelerada ou, então, quando parte das estratégias específicas avançam sem haver o mesmo movimento da estratégia global, tornando-se atomizadas. Claro que está oposição só ocorre ao nível da prática e não do projeto. Quando ocorre a nível do projeto é pelo motivo que tal estratégia não é revolucionária e suas reformas ou lutas são meramente reformistas.
A estratégia global é o movimento revolucionário atuando no conjunto da sociedade sob a hegemonia do proletariado. Entretanto, a percepção do conjunto do movimento operário pode levar ao esquecimento de que ele também possui estratégias específicas. A estratégia específica do movimento operário se dá no local de produção, na fábrica. É aí que se dá a resistência operária contra o despotismo fabril. Acontece que não existe apenas uma fábrica e sim milhares. A luta operária em uma fábrica isolada pode ser vitoriosa até o ponto de se instituir um conselho de fábrica ou empresa, mas esta logo poderá ser integrada ou corrompida pela lógica do capital. Além disso, existem outras estratégias específicas do movimento operário, tal como lutas pela redução da jornada de trabalho, a luta dos operários de setores não fabris, como os da construção civil, entre inúmeras outras.
Isto não quer dizer que não se deve lutar pela constituição dos conselhos de fábrica ou de empresa, mas que devemos reconhecer as limitações de vitórias isoladas no interior da sociedade capitalista. A estratégia global do movimento operário, ao qual deve estar submetida às estratégias específicas em geral, é articular as lutas em cada unidade de produção generalizando-as a ponto de expandir a nível nacional a greve geral. Essa deve assumir o caráter de greve de ocupação ativa, implantando os conselhos de fábrica ou empresa autônomos e autogeridos que instituirão a autogestão nas fábricas e, conseqüentemente, a dualidade política.
A estratégia global incorpora também, além da radicalização e articulação do movimento operário nas fábricas, uma intensa luta cultural contra a ideologia dominante e a favor da construção de uma cultura política revolucionária intimamente articulada com os aspectos subversivos da cultura popular e da cultura erudita contestatória. Deve combater, também, a expressão mais sistematizada e sofisticada da ideologia dominante – a ciência – através de uma produção teórica de alto nível a ser realizada pelos representantes teóricos do proletariado. Por isso, devemos lutar pela criação de meios de comunicação alternativos para criar condições de expandir a luta cultural e reforçar as bases de resistência e avanço do movimento operário. Em uma palavra: o trabalho revolucionário também é um trabalho cultural. E este é um aspecto da estratégia global. Entre estes meios de comunicação alternativos a serem criados ou aperfeiçoados podemos citar o teatro popular, jornais artesanais, rádios livres, sites da Internet, etc.
As estratégias específicas só podem ser definidas em um alto nível de generalização, pois se aplicam aos mais variados movimentos sociais e estes possuem suas próprias contradições e especificidades. Todas elas se caracterizam por lutar pela instituição de contra-poderes (isto vale até mesmo para movimentos puramente culturais). A construção da dualidade política, ao contrário do que pensa o reformismo, só é possível em períodos revolucionários. Em períodos não-revolucionários o que se pode construir são contra-poderes, uma limitação ao poder burguês, um equilíbrio de forças políticas, mas este só se torna um espaço de autogestão quando se passa para um período revolucionário, ou seja, quando se declara, de fato, a autogestão em cada um desses locais e instituições. É nesse momento que se estabelece a dualidade política e é o resultado desse confronto que marcará a vitória da revolução ou da contra-revolução, dos conselhos revolucionários ou do estado capitalista.
Entretanto, a radicalização e aprofundamento de uma estratégia específica em algum destes locais ou instituições poderá criar uma brecha revolucionária possível de se espalhar por toda sociedade dependendo da conjuntura e do apoio decidido das forças revolucionárias. Mas é fundamental, para que isso ocorra, conquistar uma intensa mobilização da classe operária, pois sem ela, por mais que outros setores da sociedade radicalizem, não se realizará nenhuma revolução. Portanto, uma estratégia específica dependendo da conjuntura e do apoio ativo das forças revolucionárias, poderá abrir uma brecha revolucionária e vir a ser o detonador da revolução.
Cabe aos militantes autogestionários ajudarem na elaboração de estratégias específicas e colaborarem na elaboração e implantação da estratégia global. Com a passagem do período não-revolucionário para o período revolucionário ou da guerra civil oculta para a guerra civil aberta, o papel dos militantes autogestionários passa a abranger mais uma tarefa essencial: evitar as concessões contra-revolucionárias e combater a contra-revolução. Mas o que são concessões contra-revolucionárias? São concessões feitas com o objetivo de garantir a derrota da burguesia, mas que aceita ou toma medidas que não só não vão no sentido da constituição da autogestão social, como criam e acumulam novos obstáculos à sua realização[11]. Este é o caso da proposta de distribuição de terras aos trabalhadores rurais. Ela é uma concessão contra-revolucionária, pois pode conquistar o apoio do campesinato ou do lumpem-campesinato para derrubar a propriedade privada burguesa, mas, ao implantar a propriedade privada camponesa, cria um novo inimigo da coletivização dos meios de produção[12].
Outra concessão contra-revolucionária é a proposta de estatização dos meios de produção. Tal proposta significa tornar o estado o proprietário dos meios de produção e como ele é dirigido por seus funcionários, os burocratas, estes decidirão o que será produzido, em que quantidade e como será distribuído. O estado será um lugar onde se concentrará uma classe social que através dele buscará manter um nível elevado de renda. A burocracia acumulará privilégios e poder, dirigirá a produção e terá o monopólio dos meios de produção, comunicação, administração, repressão, etc. Obviamente, essa nova classe dominante, não irá abrir mão do seu poder político e financeiro e realizará a contra-revolução burocrática. Com essa proposta ao invés de se implementar medidas socialistas, criam-se obstáculos à constituição da sociedade autogerida.
Outra tarefa dos militantes autogestionários é fortalecer o bloco revolucionário existente na sociedade capitalista. Este contaria com o conjunto das classes exploradas e o conjunto dos movimentos sociais revolucionários juntamente com os militantes autogestionários e correntes políticas de esquerda e estaria sob a hegemonia revolucionária do proletariado. Embora este bloco já exista na sociedade, ele existe de forma latente e desarticulado e só se tornará manifesto e articulado quando assumir o projeto político revolucionário em seus aspectos básicos. O fortalecimento deste bloco revolucionário é uma necessidade para articular as estratégias específicas à estratégia global, as reformas revolucionárias à revolução.
Essa é, em linhas gerais, a estratégia revolucionária que com o movimento histórico e o pensamento socialista revolucionário, explicam quais são as tarefas dos militantes autogestionários no processo da revolução proletária.
Luta de Classes e Instituições Burguesas
O lugar par excellence da luta de classes é o local de produção. É lá que se dá tanto a exploração como a possibilidade de sua abolição. Em todos os modos de produção é onde se encontram e confrontam as classes sociais. É lá que se confrontam diretamente as duas classes fundamentais de um modo de produção: a classe dominante e a classe explorada. A exploração se dá na unidade de produção, mas sua realização ocorre na articulação entre as diversas unidades de produção, ou, em outras palavras, as relações de trabalho expressam a exploração e as relações de distribuição sua realização. Mas para garantir a reprodução destas relações de produção é necessário manter o proletariado passivo e acomodado. Por isso, é criado um conjunto de instituições que objetivam reproduzir as relações de produção dominantes, ou seja, formas de regularização das relações de produção e das demais relações sociais. O estado é a principal instituição criada pela classe dominante para preservar seu poder. O estado, por sua vez, produz outras instituições que buscam aplicar o seu código disciplinar à sociedade. Juntamente com estas instituições estatais, dependendo do modo de produção, surgem instituições particulares que na sua maioria pertencem à classe dominante ou às suas classes auxiliares.
Com a ascensão da sociedade capitalista aprofunda-se a divisão social do trabalho e ao lado do estado e suas instituições criam-se inúmeras instituições particulares da sociedade civil. A fonte do poder da burguesia encontra-se na produção – e é, por isso, o lugar onde a revolução sempre passa –, e o poder derivado daí garante a dominação em todas as outras instâncias da vida social. A burguesia domina a sociedade civil porque, graças à exploração, ela detém o domínio sobre a instância da produção e distribuição e com isso possui recursos financeiros que lhe permite erguer um conjunto de instituições privadas e sustentar um conjunto de funcionários – a burocracia civil – para dirigi-las e assim deter a hegemonia na sociedade civil.
Entretanto, na sociedade capitalista, outras classes sociais podem criar suas próprias instituições particulares (pequena-burguesia, proletariado, campesinato, burocracia, etc.) e disputar com a burguesia o controle da sociedade civil. Acontece que os recursos financeiros da burguesia e a debilidade financeira das outras classes e frações de classes, principalmente as “classes perigosas” (proletariado, campesinato, etc.), criam as condições necessárias para se garantir a supremacia burguesa. Isso, contudo, não é suficiente para impedir um clima de conflitos constantes e de contradições crescentes que tornariam a hegemonia burguesa débil e insegura.
Portanto, além dos recursos financeiros, a burguesia conta com outro trunfo para exercer o seu domínio sobre a sociedade civil: o estado capitalista. Pode-se dizer que da produção dominada pela burguesia surge o poder privado e o poder coletivo que proporcionam a reprodução das relações de produção. O poder coletivo da burguesia é o estado – o “capitalista coletivo ideal” (Engels) – e o poder privado são as instituições particulares existentes na sociedade civil. Este é o caso da escola,  partidos, sindicatos, igrejas, etc. A fragilidade do poder privado burguês, devido à existência de instituições privadas criadas pelas outras classes, na sociedade civil é compensada pela fortaleza do seu poder coletivo, a “morada dos deuses” do capital.
A distinção entre o “público” e o “privado” é real e expressa a distinção entre o “poder público da burguesia” e o “poder privado” da burguesia e das outras classes sociais. Na sociedade civil, vive-se o constante conflito entre as frações da classe dominante, as classes auxiliares e as classes exploradas. No estado, reina absoluto o interesse coletivo da burguesia. A ilusão de que as instituições do estado não são burguesas e sim públicas vem do seu caráter de “poder coletivo da burguesia” que pode se voltar contra certas frações da burguesia em favor do seu “interesse coletivo”, que é o interesse de reproduzir as relações de produção capitalistas. Além disso, o fato de nem sempre a burguesia dirigir diretamente o estado e suas instituições e este fazer concessões às classes auxiliares e exploradas, oferece a percepção ilusória do “estado acima das classes” e demiurgo do bem estar coletivo.
A “instância privada” é realmente privada por que juridicamente todas as classes e frações de classes podem criar suas instituições e defender seus interesses particulares e egoístas, inclusive a burguesia que aí não se apresenta como “coletividade”, mas sim como particularidade irresponsável para com os interesses coletivos da classe, e isto contribui para com a percepção do estado como “público” e “imparcial”.
A partir disto chega-se a conclusão que é através das instituições privadas das classes exploradas que se pode conquistar as instituições do estado e construir a nova sociedade.  Tal tese apresenta três equívocos fundamentais: 1) esquece-se que o fundamento do poder burguês (coletivo e privado) se encontra no modo de produção e que se deve “cortar o mal pela raiz” e não arrancar as folhas deixando todo o resto intacto; 2) esquece-se, também, que o poder privado da burguesia é frágil, mas suficiente para dominar a sociedade civil, e é quase indestrutível graças, como veremos adiante, ao estado capitalista, o poder coletivo da burguesia; 3) conquistar as instituições do estado capitalista, ou este como um todo, não serve como ponto de partida para a transformação social. O estado é uma organização de dominação burguesa e que possui, portanto, uma estrutura formal burocrática, autoritária, baseada na divisão do trabalho, é o sustentáculo da escravidão e nunca poderá ser um instrumento de libertação, além disso, o seu conteúdo é a relação-capital, expressão das relações de produção capitalistas e que tem como finalidade sua reprodução. Em uma palavra: a conquista do estado capitalista significa apenas mudar os agentes do capital mantendo o seu domínio.
O domínio do poder privado da burguesia na sociedade civil é reforçado pelo estado capitalista que lança seus tentáculos sobre o conjunto da sociedade procurando regularizar, controlar, vigiar, etc., todas as suas relações. O estado capitalista, por ser “público”, tem o dever de cuidar da educação, dos bens coletivos, da saúde pública, da higiene pública, da moral, da segurança, enfim, ele deve, munido da lei, manter a ordem pública e reprimir aqueles que a desafiam. Ele não possui nenhum poder natural sobre a população, mas possui o direito – garantido pelas leis definidas, nos estados “democráticos”, pelos “representantes” da própria população, escolhidos “livremente” por ela, de acordo com as regras definidas pelo próprio “estado democrático” – de preservar o bom andamento das relações sociais e combater os infratores das leis em nome da “paz social”. Nos estados “democráticos”, a oposição e a dissidência são permitidas desde que não ultrapassem os limites impostos pela sociedade capitalista, ou seja, a oposição pode existir e fazer o que quiser desde que não realize mudanças. Cria-se, assim, uma oposição domesticada, discursiva, inofensiva. Caso ela, insista em querer romper com as regras do jogo capitalista, o estado, “árbitro imparcial”, responderá com a repressão, mais impiedosa do que o martelo de Thor, o deus do trovão. O difícil é ver que as regras são determinadas pelo jogo e que, portanto, o mal do males é este último.
O estado capitalista, com o poder atribuído a ele pela legislação, segue normatizando a democracia burguesa, as relações trabalhistas, a convivência religiosa, a produção científica, cultural e artística, etc. Ele pode fazer isto diretamente, através de suas instituições, tais como as universidades, fundações, ministérios, etc., ou indiretamente, através da imposição da lei às instituições privadas, tais como ocorre com os partidos políticos (lei eleitoral e partidária), universidades e escolas particulares (leis da educação), meios de comunicação (leis de imprensa), etc.
O estado capitalista ao envolver todas essas instituições nas normas de funcionamento ditadas pelas leis elaboradas para regularizar o conjunto de relações sociais da sociedade burguesa, submete-as à dinâmica da reprodução das relações de produção capitalistas, ou seja, acaba levando às instituições privadas a cumprirem o mesmo papel que o seu[13]. Mas isto não deve ocultar a existência de contradições internas da sociedade civil (entre as frações da classe dominante e entre estas e as demais classes que, por sua vez, também entram em conflito entre si) e desta com o estado capitalista. Não é preciso ser muito perspicaz para compreender que é impossível destruir a reprodução sem antes destruir a produção, sua fonte, e que conquistar a “hegemonia” na sociedade civil e, posteriormente, o estado burguês ou então se apossar deste diretamente, não significa mais do que mudar a forma de reprodução do capital, e, simultaneamente, conservar intocável o modo de produção capitalista.
A luta revolucionária do proletariado ocorre, sempre é bom lembrar, na produção, e se reproduz na sociedade civil. Esta reprodução, devido à supremacia financeira da burguesia e ao estado capitalista, é amortecida na sociedade civil e juntamente com esse amortecimento das lutas de classes vê-se a dominação burguesa sair triunfante. As instituições privadas das classes exploradas nascem envolvidas nas relações de produção capitalistas e enfrentam tanto o poder privado da burguesia quanto o seu poder coletivo expresso no estado capitalista (além de sua supremacia cultural e apoio de suas classes auxiliares). Essas instituições acabam se integrando na sociedade capitalista e reproduzindo-a. A história das relações internas nos partidos políticos “ditos” de esquerda revela que o poder fica nas mãos de quem detém a supremacia financeira e junto com isso ocorre a burocratização e a separação entre direção e base, criando mais uma fração de classe da burocracia, a burocracia partidária, que produz seus interesses próprios e antagônicos aos do proletariado.
Aqueles que possuem tempo e dinheiro para participar mais efetivamente das atividades partidárias são, ao mesmo tempo, os que possuem maior “saber funcional acumulado”[14] e acabam tornando-se uma cúpula burocrática que se autonomiza e passa a criar e defender interesses específicos que se opõem aos interesses da base. O crescimento partidário e as regras da democracia burguesa criam uma divisão social do trabalho interna no partido. Assim se forma a burocracia partidária, esta recrutada nos elementos acima citados e em outros saídos do proletariado, do campesinato, do lumpemproletariado, etc., que se autonomiza e, juntamente com os elementos vindos da pequena-burguesia, da burocracia civil e estatal, da intelectualidade que não estão na direção, elabora uma linha política conservadora. Quanto mais o partido se integra na democracia burguesa, mais fielmente ele irá reproduzir a sociedade burguesa no seu próprio interior.
Os sindicatos foram criados pelos trabalhadores para representar seus interesses e por isso foram combatidos pela burguesia. Mas a classe dominante, com a esperteza que lhe é peculiar, resolveu reconhecê-los através do estado capitalista, que passou a regularizar seu papel: negociar o preço da mercadoria força de trabalho. A partir disto o papel dos sindicatos se enquadra dentro das relações de produção capitalistas e não representam nenhuma ameaça aos interesses da classe dominante. O estado capitalista também, através da legislação trabalhista, busca interferir na sua organização e acaba colaborando com a formação de uma burocracia sindical – formada por indivíduos surgidos das próprias classes exploradas – que se torna uma elite dirigente desligada das bases e das lutas cotidianas dos trabalhadores e com interesses próprios. Esta burocracia sindical, em muitos casos, também adere aos partidos de “esquerda” e reforçam a política conservadora destes.
Mesmo as organizações de base das classes exploradas acabam se incluindo na dinâmica do capital, tal como o exemplo das associações de bairros no Brasil ou os conselhos de fábrica na Europa Ocidental. Isto também ocorre em movimentos sociais como, por exemplo, o movimento negro, o movimento ecológico, o movimento feminista, o movimento estudantil, etc. Um conjunto de fatores provoca isto: as condições desfavoráveis de vida dos trabalhadores, e todas as implicações derivadas daí: falta de tempo, cansaço, pouca disposição para leitura, dificuldades financeiras que dificultam acesso à informação e possibilidade de contribuição voluntária aos movimentos políticos do proletariado, desânimo ao não ver resultados imediatos, a influência dos meios oligopolistas de comunicação, a burocratização e mercantilização das relações sociais, etc.; a reprodução da mentalidade e da ideologia dominante (racismo, sexismo, carreirismo, luta por “status”, competição, etc.), a ação do estado capitalista e das instituições privadas, tanto através leis elaboradas para regulamentar suas atividades e/ou forma de organização, e de outras ações, tais como a cooptação de lideranças em troca de benefícios pessoais, a dotação de recursos financeiros em troca do cumprimento de certas exigências, etc.
Desta forma, nem mesmo as organizações de base estão livres da burocratização, da corrupção, etc. E, por isso, é necessário elaborar mecanismos que impeçam a integração destas organizações na sociedade capitalista, embora, para sermos realistas, nenhum mecanismo pode garantir totalmente isto. Entretanto, a pouca possibilidade de se conseguir isto não deve servir de justificativa para não buscar a sua efetivação. Essas organizações de base quando se passa da guerra civil oculta para a guerra civil aberta mudam de caráter devido à intensa mobilização e participação em períodos revolucionários e, conseqüentemente, à crise geral da ideologia dominante, a possibilidade visível de se “mudar a vida” e o entusiasmo derivado daí, a autogestão das lutas revolucionárias e o conflito aberto com o estado e outras instituições, etc. É necessário não se perder de vista o papel conservador da ação dos partidos de “esquerda” nessas organizações e movimentos: submissão dos interesses específicos destes movimentos e organizações aos interesses do partido, seja o interesse eleitoral dos reformistas ou os interesses de aparelhamento dos jacobinos (leninistas, stalinistas, trotskistas, maoístas, etc.).
As instituições burguesas (estatais ou privadas) existem para reproduzir as relações capitalistas de produção. As formas sob as quais ela executa isso são financeiras (cooptação, corrupção, etc.), políticas (repressão, burocratização, etc.) e culturais (produção e reprodução da ideologia dominante de inúmeros modos), etc. É neste último ponto que a classe dominante com suas instituições (privadas e estatais) busca atingir toda a sociedade. Os dois objetivos fundamentais da ideologia são conseguir justificar, em primeiro lugar, as relações de produção capitalistas e, em segundo lugar, o estado capitalista, a principal fonte de reprodução do modo de produção capitalista.
As relações de produção capitalistas se apresentam à primeira vista como o “mundo da mercadoria”, onde tudo é apresentado como possuindo um valor de troca. Essas relações mercantis atingem até as relações sociais fazendo com que as pessoas sejam consideradas como portadoras de mercadorias (a valorização do ter em detrimento do ser). Se quase tudo se torna uma mercadoria, então passa a ser necessária a figura de um intermediário, de agências, de distribuidores e, portanto, normas que regularizem essas relações e organizações com os seus funcionários que “racionalizem” e “facilitem” as negociações. Em síntese: com a ascensão do capitalismo há uma mercantilização e uma burocratização crescentes das relações sociais.
O que muitos críticos da sociedade contemporânea não conseguem observar é a relação entre mercantilização e burocratização, pois a primeira para expandir necessita da expansão da burocratização, e por isso enxergam apenas um dos dois fenômenos e os tomam isolados, operando, conseqüentemente, uma crítica limitada das modernas sociedades capitalistas. O fundamento desse “mundo da mercadoria” se encontra na produção, onde a classe exploradora extrai mais-trabalho da classe explorada sob a forma de mais-valor que se realiza no mercado. Portanto, é esta forma específica de exploração que oferece toda a dinâmica do modo de produção e da sociedade capitalista. É devido a esta produção de mais-valor que se cria a tendência à queda da taxa de lucro médio e as constantes crises cíclicas do capitalismo. Esse processo de exploração também é a fonte da burocratização, pois instaura a relação dirigentes-dirigidos no processo de produção, e estas se expandem para as outras instituições sociais, criando um campo fértil para a burocratização do mundo.
A ideologia dominante vem para justificar essas relações de produção e todas as relações sociais derivadas daí. Mas, antes da ideologia vir justificá-las, os indivíduos envolvidos nestas relações as compreendem como “naturais”, simplesmente porque nasceram envolvidos nelas, não existe nenhuma alternativa presente e se torna difícil imaginar uma sociedade com relações sociais diferentes, sem estado, sem dinheiro, sem divisão social do trabalho, etc. As representações cotidianas ilusórias, bem como os valores dominantes, acabam dominando a mente mesmo de grande parte dos indivíduos das classes exploradas.
É claro que aqueles que se sentem descontentes com este mundo coisificado assumem uma posição contraditória em relação a essa sociedade. Mas é necessário para que a insatisfação se torne práxis revolucionária: 1) a insatisfação seja acompanhada pela esperança, ou seja, por uma utopia; 2) essa utopia deve ser concreta, ou seja, deve apresentar-se como possibilidade real e isto, para a grande maioria dos indivíduos, só se torna visível na prática, ou seja, em períodos revolucionários.
Portanto, para que a práxis revolucionária ocorra coletivamente é necessário que se passe para a guerra civil aberta, pois com isso a práxis revolucionária de alguns indivíduos e movimentos supera suas contradições internas e se generalizam ao nível de toda sociedade.
A tarefa da ideologia dominante é sistematizar e consolidar as representações ilusórias criadas pela própria sociedade e apresentá-las como idéias “científicas”, “filosóficas”, “teológicas”, etc. A divisão social do trabalho cria inúmeras “autoridades” que elaboram o discurso sobre a moral, a saúde, a “economia”, a “política”, o meio ambiente, a religião, a educação, o sexo, a cultura, a sociedade, a história, etc. Cada discurso vem acompanhado de um conjunto de termos só acessíveis aos especialistas do assunto, ou seja, cria-se um “mundo maçônico” que fundamenta o discurso técnico como “superior”, como “saber competente”. Com isso o que já era tido como “natural” por estar presente na vida e na prática cotidiana passa a ser visto como o “mundo realmente existente”, aquilo que, apesar de suas contradições e imperfeições, existe de fato como expressão da “natureza humana” e é, por isso, insuperável e pode no máximo ser “reformado”, tal como expresso agora pelas “autoridades científicas”.
A classe capitalista explora e oprime os trabalhadores nas fábricas de acordo com as necessidades do capital e como resposta à resistência operária. Mas as relações sociais capitalistas (competição e mercantilização e burocratização crescente das relações sociais) não se limitam ao local de produção. Estas relações se expandem para todos os domínios da vida social e assim a alienação se generaliza, invadindo todas as relações sociais. A conseqüência disto é que a insatisfação passa a ocorrer não apenas no trabalho e sim em todos os setores da vida social.
Essa insatisfação cria uma cultura contraditória que revela elementos de aceitação coexistindo com elementos de negação da sociedade capitalista. Cabe às forças revolucionárias reforçarem os aspectos subversivos da cultura popular e erudita e buscarem romper com a ideologia dominante criando uma cultura política (no sentido amplo do termo, ou seja, englobando todas as formas de manifestação das lutas de classes: culturais, cotidianas, valorativas, etc.) libertária, revolucionária e, como tais forças não estão isentas de contradições e de submissão à ideologia dominante, realizar um amplo processo de constante autocrítica.
Para que a elaboração e divulgação/recepção dessa cultura política libertária/revolucionária não seja um privilégio de uma elite, é necessário criar formas alternativas de produção e divulgação e também se realizar a descentralização e democratização das formas já existentes.
Portanto, a luta cultural é um ponto fundamental das lutas de classes no mundo contemporâneo. Ela deve ocorrer em todas as instâncias da vida social. Ela deve ocorrer nas instituições burguesas, nos meios oligopolistas de comunicação, nos locais de moradia das classes exploradas, etc. Ela também deve ser dirigida também rumo às forças políticas de “esquerda” que reproduzem a sociedade burguesa adotando uma prática política burguesa nos movimentos sociais, tais como, por exemplo, o aparelhismo, o oportunismo, o carreirismo, o individualismo, etc., e aos militantes que reproduzem a ideologia dominante ou uma prática política burguesa de forma não-consciente.
As Tarefas Atuais dos Militantes Autogestionários
Uma das tarefas mais prementes dos militantes autogestionários é a formação de uma expressão política e consciente do bloco revolucionário, formado por um conjunto de forças políticas, classes, frações de classes, movimentos sociais, indivíduos, correntes de esquerda, que são revolucionárias ou potencialmente revolucionárias ou, ainda, que podem em determinado momento cumprir um papel revolucionário. A unificação da esquerda revolucionária e dos movimentos sociais é outro fator fundamental para tornar este bloco revolucionário um movimento que tenha força não apenas para combater o reformismo, mas para sustentar um apoio real e poderoso a todos os confrontos particulares com a burguesia e o estado capitalista.
 Os militantes autogestionários podem desenvolver ações individuais ou produzirem coletivos de ação política. A necessidade de uma auto-organização dos militantes autogestionários se deve ao fato de que uma associação possui mais eficácia na luta política. Sem dúvida, a auto-organização dos militantes autogestionários deve ser marcada pela busca de autogestão interna e ter a autogestão social como objetivo prioritário e final. Não se trata de reproduzir a concepção leninista ou social-democrata de crescimento organizacional, pois a auto-organização revolucionária dos militantes autogestionários é apenas um meio para reforçar a luta proletária pela autogestão social e não um fim em si mesmo. Estes coletivos devem incentivar a formação de outros coletivos e buscar não reproduzir a sociabilidade capitalista e mentalidade burguesa no seu interior. O coletivo autogestionário, caso se corrompa e abandone o projeto revolucionário, deve ser destruído ou combatido. Seu objetivo é reforçar a luta proletária no sentido de incentivar o aceleramento do processo revolucionário e da criação de correlação de forças favorável ao proletariado, através das mais variadas atividades, dentro de suas condições e possibilidades, incluindo a formação de uma expressão política e consciente do bloco revolucionário.
Este bloco revolucionário deve ser considerado como uma “união de movimentos revolucionários” agrupando diversos setores da classe operária, do campesinato, do lumpemproletariado, etc. E os mais variados movimentos sociais de esquerda (ecológico, negro, das mulheres, estudantil, urbanos em geral, etc.) e grupos políticos e indivíduos. Mas não se deve considerar integrantes do bloco apenas os que aderem a ele, estes seriam sua expressão política manifesta, mas ele seria o conjunto das forças que citamos anteriormente.
Este bloco revolucionário tem como objetivo articular as lutas específicas com a luta geral do proletariado e executar todas as tarefas revolucionárias colocadas na ordem do dia. Isto significa que ele deve procurar se estruturar de forma que possa levar a cabo suas tarefas, ou seja, deve conquistar tanto recursos humanos (representantes teóricos do proletariado, militantes autogestionários, etc.) quanto recursos materiais (financeiros, locais de reuniões, publicações, etc.) desde que não se perca de vista que eles são apenas meios e nunca objetivos, para com isso evitarmos a corrupção e burocratização das forças revolucionárias. Pois a ênfase deve ser colocada sempre no movimento e nunca na organização, que, dependendo da situação, talvez seja necessário sua própria destruição.
Deve-se no interior do bloco revolucionário, evitar todas as formas de reprodução das relações sociais típicas do capitalismo. Para conseguir isso é preciso evitar o burocratismo e, a divisão social do trabalho e, principalmente a autonomização da “direção” implantando-se relações horizontais, éticas, transparentes, sob o princípio da mais ampla liberdade de expressão e fiscalização. Por isso, também é necessário se realizar uma constante autocrítica de idéias e práticas políticas e um amplo intercâmbio entre movimentos sociais para que através disto se supere a reprodução da ideologia e da mentalidade dominantes no movimento revolucionário.
O bloco revolucionário deve caminhar no sentido da autogestão coletiva de suas atividades. Outra necessidade é combater o poder derivado da supremacia financeira através da contribuição não-obrigatória aos que não possuem recursos e outras formas que impeçam a reprodução das relações mercantis no movimento revolucionário, permitindo, assim, a participação efetiva dos setores mais desfavorecidos das classes exploradas. O objetivo fundamental dos militantes autogestionários deve ser a instauração da sociedade autogerida, o que significa, a sua própria abolição e integração nos coletivos de autogestão social.
A Autonomização da Classe Operária
O processo de acirramento da luta de classes que leva a autonomização da classe operária criará um conjunto de atividades e de formas de lutas autônomas e autogeridas do proletariado. Por isso, o conjunto da classe revolucionária se autonomiza em relação aos partidos, sindicatos, etc. É neste momento que os militantes autogestionários terão que provar na prática o seu caráter revolucionário. Eles deverão reforçar o processo de autonomização do proletariado em relação a si mesmo e às instituições da sociedade burguesa incentivando a autogestão das lutas operárias pela própria classe operária.
Os militantes autogestionários devem, assim, manter uma unidade de ação com a classe que se revela na sua subsunção ao movimento revolucionário do proletariado e impede, com isso, o surgimento de uma instituição ou organização contra-revolucionária e que busca conquistar o poder estatal e reproduzir o capitalismo ou criar um novo modo de produção classista.
A autonomização da classe operária se revela um movimento difuso de autogestão que se espalha por toda a sociedade e que se expande para todos os outros movimentos sociais, transformando radicalmente o modo de vida, questionando a divisão social do trabalho, a burocratização e mercantilização das relações sociais, a competição social, o estado, a divisão capitalista do espaço, a cultura dominante, as relações entre as raças, as relações sociais e sexuais entre os sexos, as relações familiares, as artes, o trabalho, as formas de comunicação e lazer, enfim, todo um modo de vida alienado. Portanto, a autonomização da classe operária, que se inicia na luta de classes na produção, é o ponto de partida para a instauração da autogestão social.
A Autogestão Como Resultado Positivo da Guerra Civil Aberta
A passagem da guerra civil oculta à guerra civil aberta expressa o processo de autonomização da classe operária e das demais classes exploradas e dos movimentos sociais gerando a autogestão das lutas sociais pelas classes exploradas e pelos movimentos sociais. Mas haverá a reação intransigente da classe dominante e sua principal instituição, o estado capitalista. É aí que se vê a possibilidade de contra-revolução burguesa. Porém, além dessa tentativa de contra-revolução conservadora, existem outras possibilidades de contra-revolução surgidas a partir da ação de outras classes sociais. A burocracia, através de alguma de suas instituições, o mais provável sendo um partido político “dito” de esquerda, poderá tentar realizar uma contra-revolução burocrática assumindo o poder do estado e reproduzindo a “lei do valor” sob o capitalismo de estado. Ou, então, caso consiga abolir a “lei do valor”, implantar um modo de produção burocrático onde a ditadura se torna o único suporte desse monstro hierárquico. As demais classes sociais dificilmente poderiam realizar uma contra-revolução, embora possam tentar, no caso de nenhuma das forças fundamentais conseguirem desequilibrar a luta. Tal possibilidade, entretanto, é extremamente remota e nenhuma outra classe social possui um projeto político ou ligação efetiva com o processo capitalista de produção para apresentar uma alternativa viável.
Portanto, a luta de classes durante a guerra civil aberta é de uma complexidade enorme e a vitória do proletariado depende do sucesso do movimento gerar a autogestão na produção e na sociedade em contraposição ao poder do estado capitalista. Qualquer classe que queira realizar a contra-revolução só poderá fazê-lo apossando-se ou utilizando o estado capitalista e, por isso, a dualidade política manifesta a luta da revolução e da contra-revolução, esta última podendo se apresentar de diversas formas. A guerra civil aberta só apresentará um resultado positivo se o estado capitalista – e o estado em geral, pois este pode se reproduzir sob outra forma criando uma nova dominação de classe – for destruído e a autogestão se generalizar em toda a sociedade. Assim, o reino da necessidade será substituído pelo reino da liberdade, onde a livre associação revolucionária dos produtores decidirá os destinos dos seres humanos, a autogestão do destino do ser humano pelo próprio ser humano.
Assim, a tarefa dos militantes autogestionários não é ser a “vanguarda” do proletariado ou tomar o poder estatal. Sua tarefa é contribuir com o aceleramento do processo revolucionário e com o fortalecimento das lutas operárias, realizando uma articulação no interior do bloco revolucionário e buscando a autonomização do proletariado e a passagem da guerra civil oculta para a guerra civil aberta, até instituir a autogestão social. Neste momento, os militantes autogestionários passam a se integrar nos coletivos de autogestão social e passam a ser indivíduos livremente associados na sociedade autogerida.



[1] Rosa Luxemburgo já havia notado o caráter conservador de tal postura em sua polêmica com Lênin: “porém, atribuir à direção partidária tais poderes absolutos de caráter negativo, como faz Lênin, é fortalecer artificialmente, e em perigosíssimo grau, o conservadorismo inerente à essência de qualquer direção partidária. Se a tática social-democrática for criada, não por um comitê central, mas pelo conjunto do partido ou, melhor ainda, pelo conjunto do movimento, então é evidente que, para as células do partido, a liberdade de movimento é necessária. Apenas ela possibilita a utilização de todos os meios oferecidos em cada situação para fortalecer a luta, tanto quanto o desenvolvimento da iniciativa revolucionária. Porém, o ultracentralismo preconizado por Lênin parece-nos, em toda a sua essência, ser portador, não de um espírito positivo e criador, mas do espírito estéril do guarda noturno. Sua preocupação consiste, sobretudo, em controlar a atividade partidária e não em fecundá-la, em restringir o movimento e não em desenvolvê-lo, em importuná-lo e não em unificá-lo” (Luxemburgo, Rosa. Questões de Organização da Social-Democracia Russa. In: Luxemburgo, Rosa. A Revolução Russa. Petrópolis, Vozes, 1991, p. 48).
[2] “Quanto ao que nos concerne, temos diante de nós, levando em conta todo nosso passado, um único caminho a seguir. Há quarenta anos, colocamos em primeiro plano a luta de classes como força motriz da história e, em particular, a luta de classes entre a burguesia e o proletariado como a mais poderosa alavanca da revolução social. Portanto, é nos impossível caminhar junto com pessoas que tendam a suprimir do movimento essa luta de classes. Quando fundamos a Internacional lançamos em termos claros seu grito de guerra: “a emancipação da classe operária será obra da própria classe operária”. Não podemos evidentemente caminhar com pessoas que declaram aos quatro cantos que os operários são muito pouco instruídos para poder emancipar a si mesmos, e que eles devem ser libertados pelas cúpulas, pelos filantropos burgueses e pequeno-burgueses” (Marx, Karl e Engels, Friedrich. Carta a Bebel, Liebknecht, Brackle e outros. In: Marx, Karl e outros. A Questão do Partido. São Paulo, Kairós, 1978, p. 30.)
[3]Rühle, Otto. A Revolução não é Tarefa de Partido. In: Authier, Denis (org.). A Esquerda Alemã (1918-1921) - “Doença Infantil” ou Revolução? Porto, Afrontamento, 1975, p. 127.
[4] Luxemburgo, Rosa. Greve de Massas, Partidos e Sindicatos. In: Textos Escolhidos. Lisboa, Estampa, 1977, p. 127.
[5] Os posicionamentos diferenciados de Gorter e Rühle no processo de surgimento do comunismo de conselhos, supervalorizado e descontextualizado por muitos, não anula isto, já que a questão não é, como muitos pensam, uma questão de partido e sim de organização.
[6] Na verdade, não existe uma dualidade de “poderes”, pois o poder é uma relação de dominação que não existe no caso da autogestão operária. O que existe de fato é uma dualidade política, ou seja, de controle, onde o estado capitalista mantém o controle sobre a sociedade civil, numa relação de dominação, e os conselhos revolucionários exercem o controle das fábricas através da autogestão coletiva sem haver relação de dominação. A expressão “dualidade de poderes” é utilizada apenas para demarcar esta divisão entre controle da fábrica, empresas e bairros pela associação dos produtores, baseado na hegemonia operária, e o controle exercido pelo estado capitalista, baseado na dominação burguesa e, por seu caráter equivocado, substituímos por dualidade política, no qual a política revolucionária do proletariado se realiza na sociedade civil e a política conservadora se mantém no Estado capitalista.
[7] Para André Gorz, esta seria “a” fraqueza. A causa disto, segundo ele, se encontra na tese da queda inevitável do capitalismo. Esperava-se que a crise do capitalismo cria-se uma situação de miséria crescente do proletariado e por isso as pequenas conquistas dos trabalhadores dentro do capitalismo poderiam diminuir a insatisfação dos trabalhadores e, conseqüentemente, a sua capacidade revolucionária. Isto poderia tornar o capitalismo “suportável” (Cf. Gorz, André. Estratégia Operária e Neocapitalismo. Rio de Janeiro, Zahar, 1968).
[8]  Gorz coloca corretamente que “esse gênero de atitude leva ao impasse, a chama revolucionária começa a vacilar por falta de perspectivas e de realizações positivas. Claro, o capitalismo é incapaz de resolver, no fundo, problemas essenciais que seu desenvolvimento faz surgir. Mas resolve-os à sua maneira, através de concessões e reconciliações passageiras que visam torná-lo socialmente tolerável. Desta feita, o movimento operário e socialista encontra-se acuado para a defensiva: por não haver lutado pela imposição de suas soluções próprias, perdeu a iniciativa. Por não haver antecipado os problemas previsíveis e precedido o capitalismo na definição das soluções visadas, as classes trabalhadoras cessam de se afirmar como classes potencialmente dirigentes. Pelo contrário, é o próprio capitalismo que então outorga quase-soluções aos trabalhadores. E, através de cada uma dessas concessões outorgadas, o capitalismo – deixado livre para que ele próprio defina a natureza e a extensão de suas medidas – afirma seu progresso e consolida seu poder” (Gorz, André. Ob. cit., p. 12). Entretanto, André Gorz coloca que essa articulação de “reformas revolucionárias” e revolução é aplicável ao caso da Europa Ocidental. Na verdade, a articulação entre reformas não-reformistas e revolução é parte integrante da estratégia revolucionária aplicável a qualquer país capitalista.
[9]  Gorz nos responde da seguinte forma: “o que é próprio de uma luta por reformas não-reformistas – por reformas anticapitalistas – é que esta luta não depender de critérios capitalistas de racionalidade, a validade e o direito tradicionalmente consagrado das necessidades. Ela não se determina em função do que pode ser, mas do que deve ser. E assim faz depender de transformações e de meios políticos e econômicos a serem postos em ação, a possibilidade de atingir o seu objetivo. Mas tais reformas supõem uma modificação do relacionamento das forças; supõem que os trabalhadores conquistem poderes, ou afirmem um poder (isto é, um poder não-institucionalizado), suficientes para abrir, para conservar abertas e para ampliar no seio do sistema de orientações existentes um número suficiente de brechas que abalem o capitalismo em seus suportes. Supõem reformas de estruturas” (Gorz, André. ob. cit., p.13-14). Cabe complementar que “a reforma de estrutura é, por definição, uma reforma aplicada ou controlada por aqueles que a reclamam. Quer seja agrária, universitária, imobiliária, regional, administrativa, econômica, etc., a reforma de estrutura comporta sempre o nascimento de novos centros de poder democráticos” (Gorz, A. ob. cit. p. 14).
[10] “Semelhante poder autônomo constitui um primeiro passo para a subordinação das exigências da produção às exigências humanas, tendo como última perspectiva a conquista do poder de autogestão” (Gorz, A. ob. cit. p. 15).
[11] Isto foi demonstrado por Rosa Luxemburgo em sua análise da Revolução Bolchevique.
[12] Rosa Luxemburgo observou bem o caráter contra-revolucionário desta proposta ao criticar Lênin e o bolchevismo: “agora, após a ‘apropriação’, toda coletivização socialista da agricultura tem um novo inimigo, uma massa de camponeses proprietários que aumentou e se fortaleceu enormemente e que defenderá com unhas e dentes, contra todo atentado socialista, sua propriedade recentemente adquirida. Agora, a questão da socialização futura da agricultura, isto é, a questão da produção em geral, na Rússia, tornou-se uma questão de conflito e de luta entre o proletariado urbano e a massa camponesa” (Luxemburgo, Rosa. A Revolução Russa. In: A Revolução Russa. ob. cit. p. 75.).
[13] Neste sentido, e de forma oposta à tese gramsciana de luta pela conquista da “hegemonia” na sociedade civil, poderíamos considerar que todas as instituições privadas (família, escola, partidos, igrejas, etc.) são “aparelhos ideológicos do estado”. Mas tal concepção, althusseriana, se mostra igualmente equivocada, pois não reconhece a autonomia da sociedade civil e de sua ação, geralmente contraditória, sobre o estado capitalista (cf. Althusser, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. 4a edição, São Paulo, Martins Fontes, 1989; Gramsci, A. Maquiavel, A Política, e o Estado Moderno. 6a edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988). Além disso, a concepção althusseriana autonomiza demasiadamente o estado em relação ao modo de produção e ele passa a ser palco onde se apresentará o processo revolucionário. A tese gramsciana autonomiza a sociedade civil e, conseqüentemente, o estado capitalista gerando uma estratégia política reformista enquanto que a tese althusseriana autonomiza o estado e, conseqüentemente, desconsidera a sociedade civil gerando uma estratégia golpista visando o centro da reprodução do capital. Ambas as concepções perdem de vista o modo de produção em favor das formas sociais (“superestrutura”) que objetivam reproduzir as relações de produção capitalistas. 
[14] Ou “capital cultural”, segundo expressão de Bourdieu e Passeron. Cf. Viana, N. O Que São Partidos Políticos? Goiânia, Edições Germinal, 2003.