Seção 03
As Tarefas dos Militantes Autogestionários
Estratégia Revolucionária
O Papel dos Militantes Autogestionários na
Teoria Revolucionária
O movimento
autenticamente revolucionário sempre evitou elaborar uma estratégia revolucionária.
Para este movimento, a verdadeira estratégia revolucionária se expressava na
luta operária, ou seja, na prática do movimento operário. O papel dos
militantes revolucionários era acompanhar a dinâmica do movimento operário e
buscar radicalizá-lo a ponto de criar uma situação revolucionária. Foi assim
que Marx, Korsch, Pannekoek, entre outros, teorizaram sua prática revolucionária.
Em uma palavra, o papel dos militantes revolucionários é seguir a dinâmica do
movimento operário.
As deformações do
marxismo conseguiram apagar a necessidade de subsunção dos revolucionários ao
movimento operário. Os “revolucionários” se autonomizaram em relação à classe e
passaram a querer controlá-la. É neste sentido que vão as teses do reformismo
(Bernstein, Kautsky) e do bolchevismo (Lênin, Trotski, Stálin). Assim, o
partido é supervalorizado e cria-se a ideologia da vanguarda. Nisso tanto o
reformismo quanto o bolchevismo concordam: a classe deve ser dirigida pelo
partido.
Ao negar a
autogestão das lutas operárias pela classe operária e deslocá-la para o âmbito
das lutas do partido rumo à conquista do poder político (seja pela via
institucional tal como proposto pelo reformismo, seja pela via insurrecional
tal como proposto pelo bolchevismo), essas teses demonstram seu caráter
contra-revolucionário. Busca-se
controlar
o movimento operário ao invés de
desenvolvê-lo.
Com isso a política praticada deixa de ser uma política de classe para ser a
política de uma elite que diz representar a classe. O resultado disso é que uma
vez no poder essa elite irá reproduzir a prática controladora e, portanto, as
relações de poder entre dominantes e dominados e para isso conta com uma
ideologia que a justifica: a ideologia da vanguarda (Lênin, Kautsky). O
reformismo e o bolchevismo são expressões políticas da burocracia partidária,
bem como suas ideologias.
O marxismo
original – Marx e Engels – não caiu nesta armadilha e com a dignidade de quem
possui uma consciência revolucionária denunciaram os perigos do vanguardismo
.
A ênfase deve ser colocada na totalidade da classe e não em frações ou
organizações que dizem representá-la. Se o marxismo original foi deformado pelo
reformismo e pelo bolchevismo, o seu núcleo revolucionário foi conservado e
aperfeiçoado pelos seus autênticos continuadores. O marxismo revolucionário
retoma um princípio básico do marxismo original: “o que é necessário é conceber
o proletariado como classe e conduzir a sua atividade para a luta
revolucionária numa base e num quadro os mais vastos possíveis”
.
Portanto, a revolução só pode ser compreendida nos quadros do movimento
operário. Ela só pode ser feita pela totalidade da classe em seu movimento e
nunca por frações de classe ou organizações que dizem representá-la.
Se o marxismo
original (Marx e Engels) e o marxismo revolucionário posterior (Pannekoek,
Rühle, Korsch, Mattick, Rosa Luxemburgo, E. Bloch, etc.) elaboraram uma teoria
geral da revolução proletária e daí derivou o papel dos militantes
revolucionários, ele deixou a desejar quanto à
forma da atividade revolucionária destes militantes. Rosa
Luxemburgo foi quem mais avançou na questão da forma de atividade dos
militantes revolucionários. Ao observar que a revolução é obra do “eu coletivo”
da classe trabalhadora, Rosa Luxemburgo pôde compreender que a espontaneidade
do movimento operário é revolucionária. Assim, ela pôde compreender o caráter
conservador dos partidos e sindicatos, pois estes pretendiam c
ontrolar o movimento operário.
Entretanto, em parte devido à época em que vivia, Rosa Luxemburgo não elaborou
uma crítica radical de partidos e sindicatos, mas sim uma crítica
parcial. Mesmo assim, ela deixou claro
que os militantes revolucionários “não pode(m) nem deve(m) aguardar de braços
cruzados, com fatalismo, que se produza uma ‘situação revolucionária’, não
pode(m) esperar que esse movimento popular espontâneo lhe caía do céu. O seu
dever é, pelo contrário e como sempre,
antecipar-se
à evolução das coisas, é procurar apressá-las”
.
O problema é que Rosa Luxemburgo ainda leva em consideração, apesar das críticas,
o papel do partido político de massas.
Rosa Luxemburgo
retomou o papel dos revolucionários no processo da revolução social, mas ao
fazer isto criou um novo problema para o marxismo revolucionário. Ela acertou
ao declarar e necessidade de ação dos militantes revolucionários, mas
equivocou-se ao supor que estes deveriam estar ligados ao partido
social-democrata. Este equívoco é provocado pela idéia de unidade entre
social-democracia e movimento operário que ela mesma já havia notado que não se
dava na prática.
Os marxistas
revolucionários conhecidos como comunistas conselhistas (Korsch, Pannekoek,
Rühle, Gorter, etc.) foram aqueles que efetivaram a crítica mais radical e
correta de partidos e sindicatos. Mas não elaboraram com tanta riqueza teórica
qual seria o papel dos revolucionários assim como fizeram em relação à teoria
da revolução proletária
.
Militantes Autogestionários e Estratégia
Revolucionária Hoje
Hoje, podemos
dizer que é necessário, tendo como base as contribuições do marxismo revolucionário,
elaborar uma estratégia revolucionária para que a atividade dos militantes
revolucionários se torne uma prática política consciente e ligada intimamente
aos interesses históricos do proletariado, ou seja, aos interesses da luta pela
autogestão. A estratégia revolucionária deve ser compreendida como a forma de
luta política dos militantes revolucionários, submetida aos interesses e ao
desenvolvimento do movimento real dos trabalhadores objetivando a constituição
da sociedade autogerida.
Portanto, para se
elaborar essa estratégia revolucionária é preciso apreender o processo
histórico real que engendra a revolução proletária. A luta operária é
essencialmente a luta pela destruição das relações de produção capitalistas e
pela instituição das relações de produção comunistas. Isto é coerente com o
primado do modo de produção sobre as outras instâncias da vida social. A luta
de classes na produção é um movimento espontâneo do proletariado de recusa da
alienação (heterogestão) e de afirmação da autogestão. A opressão e exploração, resultados da
alienação existente na produção cria a insatisfação e resistência dos operários
que lutam espontaneamente e sob diversas formas contra o despotismo fabril.
Essa luta se torna ação voluntária quando se declara a greve. Esta ao se
generalizar e se tornar greve geral marca um novo período da luta de classes na
produção: o período de questionamento da própria produção capitalista. Trata-se
do primeiro passo para a greve de ocupação ativa e sua generalização, ou seja,
para a instituição da autogestão nas fábricas e implantação da dualidade política.
Não basta,
entretanto, assegurar a autogestão das fábricas e bairros pelos conselhos
revolucionários, pois estes serão combatidos pelo principal aparato de
reprodução das relações de produção capitalistas: o estado burguês. A
autogestão generalizada da sociedade só se realizará a partir do momento em que
os conselhos revolucionários se fortalecerem e generalizarem a ponto de
destruírem o estado capitalista. A derrocada do estado capitalista significa
que a “dualidade de poderes”
se resolve em favor dos conselhos revolucionários e implanta-se a autogestão
social.
O papel dos militantes
autogestionários é, envolvidos na dinâmica da luta operária, acelerar o processo revolucionário e reforçar as condições necessárias para a
vitória do proletariado. É necessário desencadear uma intensa luta cultural e
política com o objetivo de jogar as classes desprivilegiadas na luta direta
pela sua emancipação e criar a ação revolucionária das classes exploradas.
A estratégia
revolucionária deve ser concebida de forma articulada e o seu conteúdo é
determinado pelo desenvolvimento da luta operária. A estratégia revolucionária
deve articular reforma e revolução, movimento e objetivo. A separação mecânica
entre movimento e objetivo leva ao reformismo ou ao imobilismo. Ao eleger o
movimento, a política imediata, como o conteúdo da luta política e abandonar o
objetivo final para um futuro distante, adere-se ao reformismo e ao oportunismo.
Destrói-se, assim, qualquer possibilidade de efetivar uma prática política
ética voltada para a realização de um projeto político, pois o oportunismo e o
reformismo desconhecem o objetivo final. Na verdade, o esquecimento do objetivo
final revela apenas a mudança de objetivo, o abandono do projeto de emancipação
humana em proveito dos interesses das classes privilegiadas na manutenção do
capitalismo, o que traz benefícios pessoais para os indivíduos que aderem a tal
posição política.
Ao se considerar
o objetivo como a questão única e desconsiderar o movimento e a luta política
imediata, adere-se ao imobilismo e ao utopismo abstrato. Apega-se, assim, a um
projeto político tomado isolado de uma prática política que colabore com sua
materialização. Cria-se, então, a impossibilidade de se executar qualquer
prática política. Resta, no máximo, o discurso. Apesar do próprio discurso ser
uma prática política, se o seu conteúdo pregar um abstrato objetivo final para
o milênio que vem ou então que não pode ser acompanhada de nenhuma outra
prática, acaba se tornando um obstáculo ao processo revolucionário, ao invés de
apoio a ele.
A construção de
uma unidade entre movimento e objetivo supera tanto o oportunismo quanto o
imobilismo. Existe entre movimento e objetivo uma unidade e ao mesmo tempo uma
oposição. Todo movimento caminha em um sentido determinado, ou seja, rumo a um
objetivo definido pelo próprio movimento. Acontece que um movimento político de
classe não existe isolado, mas sim relacionado com outros movimentos que lhe
são complementares, diferentes ou opostos. A unidade entre o movimento da
classe operária e o projeto político implícito nele acontece quando este
movimento permanece livre das impurezas contra-revolucionárias do movimento
da(s) classe(s) antagônicas(s). A oposição ocorre quando o movimento é
desvirtuado pela ação da(s) classe(s) oposta(s).
O papel dos
militantes autogestionários é acelerar o
processo revolucionário e, ao mesmo tempo, criar as condições necessárias que reforcem as posições do proletariado
na arena política. Portanto, a luta por apenas criar uma situação
revolucionária é falha se não houver simultaneamente uma luta por uma nova
correlação de forças favorável ao proletariado. Ocorre, porém, que a criação de
uma situação revolucionária significa a alteração da correlação de forças neste
sentido, mas que precisa ser a mais favorável possível ao proletariado. Isto
significa que antes mesmo da situação revolucionária é necessário buscar criar
uma nova correlação de forças, que pode, inclusive, colaborar com a criação
desta situação revolucionária.
Uma das fraquezas
do movimento revolucionário tem sido a incapacidade de articular a luta
revolucionária às lutas reivindicativas do cotidiano
.
A idéia de que as vitórias parciais sob o capitalismo seriam por ele incorporadas
cria uma separação mecânica entre reforma e revolução
.
É preciso ter a percepção de que as lutas imediatas são elementos importantes
na busca do objetivo final, desde que não sejam isoladas e tornadas
auto-suficientes. A articulação entre “reformas revolucionárias” e revolução é
necessária porque não basta criar uma situação revolucionária, pois é preciso criar
também condições favoráveis para a vitória do proletariado.
Mas o que são
reformas não-reformistas? As reformas não-reformistas são reformas para a
revolução
.
Elas criam brechas revolucionárias que alteram a correlação de forças beneficiando
o proletariado em sua luta contra o capital. Forma-se, assim, um espaço
político favorável às forças revolucionárias
.
Entretanto, as
vitórias parciais sob o capitalismo possuem realmente a tendência de serem
incorporadas pelo capitalismo e é por isso que essa tese é forte e verdadeira. Assim
se torna necessário ver quais reformas são realmente “revolucionárias”. Para
definir quais reformas são “revolucionárias” devemos, partindo do principio
geral de que elas criam centros de contra-poder, fazer uma separação entre
estratégia específica e estratégia global. A estratégia específica é aquela
aplicada em determinado movimento social (ecológico, estudantil, feminista,
negro, etc.) ou em determinado local (moradia, lazer, trabalho) e a estratégia
global é aquela aplicada ao movimento operário em geral e na sociedade em sua
totalidade.
Existe, também,
na relação entre estratégia específica e estratégica global, uma unidade e uma
oposição. A unidade se dá quando o conjunto de estratégias específicas reforça
o desenvolvimento da estratégia global e vice-versa. A oposição ocorre quando a
estratégia global avança, mas o conjunto, ou grande parte deste, de estratégias
específicas não acompanham sua evolução acelerada ou, então, quando parte das
estratégias específicas avançam sem haver o mesmo movimento da estratégia
global, tornando-se atomizadas. Claro que está oposição só ocorre ao nível da
prática e não do projeto. Quando ocorre a nível do projeto é pelo motivo que
tal estratégia não é revolucionária e suas reformas ou lutas são meramente
reformistas.
A estratégia
global é o movimento revolucionário atuando no conjunto da sociedade sob a
hegemonia do proletariado. Entretanto, a percepção do conjunto do movimento
operário pode levar ao esquecimento de que ele também possui estratégias
específicas. A estratégia específica do movimento operário se dá no local de
produção, na fábrica. É aí que se dá a resistência operária contra o despotismo
fabril. Acontece que não existe apenas uma fábrica e sim milhares. A luta
operária em uma fábrica isolada pode ser vitoriosa até o ponto de se instituir
um conselho de fábrica ou empresa, mas esta logo poderá ser integrada ou corrompida
pela lógica do capital. Além disso, existem outras estratégias específicas do
movimento operário, tal como lutas pela redução da jornada de trabalho, a luta
dos operários de setores não fabris, como os da construção civil, entre
inúmeras outras.
Isto não quer dizer
que não se deve lutar pela constituição dos conselhos de fábrica ou de empresa,
mas que devemos reconhecer as limitações de vitórias isoladas no interior da
sociedade capitalista. A estratégia global do movimento operário, ao qual deve
estar submetida às estratégias específicas em geral, é articular as lutas em
cada unidade de produção generalizando-as a ponto de expandir a nível nacional
a greve geral. Essa deve assumir o caráter de greve de ocupação ativa,
implantando os conselhos de fábrica ou empresa autônomos e autogeridos que
instituirão a autogestão nas fábricas e, conseqüentemente, a dualidade política.
A estratégia
global incorpora também, além da radicalização e articulação do movimento
operário nas fábricas, uma intensa luta cultural contra a ideologia dominante e
a favor da construção de uma cultura política revolucionária intimamente
articulada com os aspectos subversivos da cultura popular e da cultura erudita
contestatória. Deve combater, também, a expressão mais sistematizada e
sofisticada da ideologia dominante – a ciência – através de uma produção
teórica de alto nível a ser realizada pelos representantes teóricos do
proletariado. Por isso, devemos lutar pela criação de meios de comunicação alternativos
para criar condições de expandir a luta cultural e reforçar as bases de
resistência e avanço do movimento operário. Em uma palavra: o trabalho revolucionário também é um
trabalho cultural. E este é um aspecto da estratégia global. Entre estes
meios de comunicação alternativos a serem criados ou aperfeiçoados podemos
citar o teatro popular, jornais artesanais, rádios livres, sites da Internet, etc.
As estratégias
específicas só podem ser definidas em um alto nível de generalização, pois se
aplicam aos mais variados movimentos sociais e estes possuem suas próprias
contradições e especificidades. Todas elas se caracterizam por lutar pela
instituição de contra-poderes (isto vale até mesmo para movimentos puramente
culturais). A construção da dualidade política, ao contrário do que pensa o
reformismo, só é possível em períodos revolucionários. Em períodos
não-revolucionários o que se pode construir são contra-poderes, uma limitação
ao poder burguês, um equilíbrio de forças políticas, mas este só se torna um espaço
de autogestão quando se passa para um período revolucionário, ou seja, quando
se declara, de fato, a autogestão em cada um desses locais e instituições. É
nesse momento que se estabelece a dualidade política e é o resultado desse
confronto que marcará a vitória da revolução ou da contra-revolução, dos
conselhos revolucionários ou do estado capitalista.
Entretanto, a
radicalização e aprofundamento de uma estratégia específica em algum destes
locais ou instituições poderá criar uma brecha
revolucionária possível de se espalhar por toda sociedade dependendo da
conjuntura e do apoio decidido das forças revolucionárias. Mas é fundamental,
para que isso ocorra, conquistar uma intensa mobilização da classe operária,
pois sem ela, por mais que outros setores da sociedade radicalizem, não se
realizará nenhuma revolução. Portanto, uma estratégia específica dependendo da
conjuntura e do apoio ativo das forças revolucionárias, poderá abrir uma brecha revolucionária e vir a ser o detonador da revolução.
Cabe aos
militantes autogestionários ajudarem na elaboração de estratégias específicas e
colaborarem na elaboração e implantação da estratégia global. Com a passagem do
período não-revolucionário para o período revolucionário ou da
guerra civil oculta para a
guerra civil aberta, o papel dos
militantes autogestionários passa a abranger mais uma tarefa essencial: evitar
as concessões contra-revolucionárias e combater a contra-revolução. Mas o que
são concessões contra-revolucionárias? São concessões feitas com o objetivo de
garantir a derrota da burguesia, mas que aceita ou toma medidas que não só não
vão no sentido da constituição da autogestão social, como criam e acumulam
novos obstáculos à sua realização
.
Este é o caso da proposta de distribuição de terras aos trabalhadores rurais. Ela
é uma concessão contra-revolucionária, pois pode conquistar o apoio do
campesinato ou do lumpem-campesinato para derrubar a propriedade privada
burguesa, mas, ao implantar a propriedade privada camponesa, cria um novo
inimigo da coletivização dos meios de produção
.
Outra concessão
contra-revolucionária é a proposta de estatização dos meios de produção. Tal
proposta significa tornar o estado o proprietário dos meios de produção e como
ele é dirigido por seus funcionários, os burocratas, estes decidirão o que será
produzido, em que quantidade e como será distribuído. O estado será um lugar
onde se concentrará uma classe social que através dele buscará manter um nível
elevado de renda. A burocracia acumulará privilégios e poder, dirigirá a
produção e terá o monopólio dos meios de produção, comunicação, administração,
repressão, etc. Obviamente, essa nova classe dominante, não irá abrir mão do
seu poder político e financeiro e realizará a contra-revolução burocrática. Com
essa proposta ao invés de se implementar medidas socialistas, criam-se
obstáculos à constituição da sociedade autogerida.
Outra tarefa dos
militantes autogestionários é fortalecer o bloco revolucionário existente na
sociedade capitalista. Este contaria com o conjunto das classes exploradas e o
conjunto dos movimentos sociais revolucionários juntamente com os militantes autogestionários
e correntes políticas de esquerda e estaria sob a hegemonia revolucionária do
proletariado. Embora este bloco já exista na sociedade, ele existe de forma
latente e desarticulado e só se tornará manifesto e articulado quando assumir o
projeto político revolucionário em seus aspectos básicos. O fortalecimento
deste bloco revolucionário é uma necessidade para articular as estratégias
específicas à estratégia global, as reformas revolucionárias à revolução.
Essa é, em linhas
gerais, a estratégia revolucionária que com o movimento histórico e o
pensamento socialista revolucionário, explicam quais são as tarefas dos
militantes autogestionários no processo da revolução proletária.
Luta de Classes e Instituições Burguesas
O lugar par excellence da luta de classes é o
local de produção. É lá que se dá tanto a exploração como a possibilidade de
sua abolição. Em todos os modos de produção é onde se encontram e confrontam as
classes sociais. É lá que se confrontam diretamente as duas classes
fundamentais de um modo de produção: a classe dominante e a classe explorada. A
exploração se dá na unidade de produção, mas sua realização ocorre na
articulação entre as diversas unidades de produção, ou, em outras palavras, as
relações de trabalho expressam a exploração
e as relações de distribuição sua realização.
Mas para garantir a reprodução destas relações de produção é necessário manter
o proletariado passivo e acomodado. Por isso, é criado um conjunto de
instituições que objetivam reproduzir as relações de produção dominantes, ou
seja, formas de regularização das relações de produção e das demais relações
sociais. O estado é a principal instituição criada pela classe dominante para
preservar seu poder. O estado, por sua vez, produz outras instituições que
buscam aplicar o seu código disciplinar à sociedade. Juntamente com estas
instituições estatais, dependendo do modo de produção, surgem instituições
particulares que na sua maioria pertencem à classe dominante ou às suas classes
auxiliares.
Com a ascensão da
sociedade capitalista aprofunda-se a divisão social do trabalho e ao lado do
estado e suas instituições criam-se inúmeras instituições particulares da
sociedade civil. A fonte do poder da burguesia encontra-se na produção – e é,
por isso, o lugar onde a revolução sempre passa –, e o poder derivado daí
garante a dominação em todas as outras instâncias da vida social. A burguesia
domina a sociedade civil porque, graças à exploração, ela detém o domínio sobre
a instância da produção e distribuição e com isso possui recursos financeiros
que lhe permite erguer um conjunto de instituições privadas e sustentar um
conjunto de funcionários – a burocracia civil – para dirigi-las e assim deter a
hegemonia na sociedade civil.
Entretanto, na
sociedade capitalista, outras classes sociais podem criar suas próprias
instituições particulares (pequena-burguesia, proletariado, campesinato,
burocracia, etc.) e disputar com a burguesia o controle da sociedade civil.
Acontece que os recursos financeiros da burguesia e a debilidade financeira das
outras classes e frações de classes, principalmente as “classes perigosas”
(proletariado, campesinato, etc.), criam as condições necessárias para se
garantir a supremacia burguesa. Isso, contudo, não é suficiente para impedir um
clima de conflitos constantes e de contradições crescentes que tornariam a
hegemonia burguesa débil e insegura.
Portanto, além
dos recursos financeiros, a burguesia conta com outro trunfo para exercer o seu
domínio sobre a sociedade civil: o estado capitalista. Pode-se dizer que da
produção dominada pela burguesia surge o poder privado e o poder coletivo que
proporcionam a reprodução das relações de produção. O poder coletivo da
burguesia é o estado – o “capitalista coletivo ideal” (Engels) – e o poder
privado são as instituições particulares existentes na sociedade civil. Este é
o caso da escola, partidos, sindicatos,
igrejas, etc. A fragilidade do poder privado burguês, devido à existência de instituições
privadas criadas pelas outras classes, na sociedade civil é compensada pela
fortaleza do seu poder coletivo, a “morada dos deuses” do capital.
A distinção entre
o “público” e o “privado” é real e expressa a distinção entre o “poder público
da burguesia” e o “poder privado” da burguesia e das outras classes sociais. Na
sociedade civil, vive-se o constante conflito entre as frações da classe
dominante, as classes auxiliares e as classes exploradas. No estado, reina
absoluto o interesse coletivo da burguesia. A ilusão de que as instituições do
estado não são burguesas e sim públicas vem do seu caráter de “poder coletivo
da burguesia” que pode se voltar contra certas frações da burguesia em favor do
seu “interesse coletivo”, que é o interesse de reproduzir as relações de
produção capitalistas. Além disso, o fato de nem sempre a burguesia dirigir diretamente o estado e suas instituições
e este fazer concessões às classes auxiliares e exploradas, oferece a percepção
ilusória do “estado acima das classes” e demiurgo do bem estar coletivo.
A “instância
privada” é realmente privada por que juridicamente todas as classes e frações
de classes podem criar suas instituições e defender seus interesses
particulares e egoístas, inclusive a burguesia que aí não se apresenta como
“coletividade”, mas sim como particularidade irresponsável para com os
interesses coletivos da classe, e isto contribui para com a percepção do estado
como “público” e “imparcial”.
A partir disto
chega-se a conclusão que é através das instituições privadas das classes
exploradas que se pode conquistar as instituições do estado e construir a nova
sociedade. Tal tese apresenta três
equívocos fundamentais: 1) esquece-se que o fundamento do poder burguês
(coletivo e privado) se encontra no modo de produção e que se deve “cortar o
mal pela raiz” e não arrancar as folhas deixando todo o resto intacto; 2)
esquece-se, também, que o poder privado da burguesia é frágil, mas suficiente
para dominar a sociedade civil, e é quase indestrutível graças, como veremos
adiante, ao estado capitalista, o poder coletivo da burguesia; 3) conquistar as
instituições do estado capitalista, ou este como um todo, não serve como ponto
de partida para a transformação social. O estado é uma organização de dominação
burguesa e que possui, portanto, uma estrutura formal burocrática, autoritária,
baseada na divisão do trabalho, é o
sustentáculo da escravidão e nunca poderá ser um instrumento de libertação, além disso, o seu conteúdo é a relação-capital, expressão das relações
de produção capitalistas e que tem como finalidade sua reprodução. Em uma
palavra: a conquista do estado capitalista significa apenas mudar os agentes do capital mantendo o seu
domínio.
O domínio do
poder privado da burguesia na sociedade civil é reforçado pelo estado
capitalista que lança seus tentáculos sobre o conjunto da sociedade procurando
regularizar, controlar, vigiar, etc., todas as suas relações. O estado
capitalista, por ser “público”, tem o dever de cuidar da educação, dos bens
coletivos, da saúde pública, da higiene pública, da moral, da segurança, enfim,
ele deve, munido da lei, manter a ordem pública e reprimir aqueles que a
desafiam. Ele não possui nenhum poder natural sobre a população, mas possui o direito
– garantido pelas leis definidas, nos estados “democráticos”, pelos “representantes”
da própria população, escolhidos “livremente” por ela, de acordo com as regras
definidas pelo próprio “estado democrático” – de preservar o bom andamento das
relações sociais e combater os infratores das leis em nome da “paz social”. Nos
estados “democráticos”, a oposição e a dissidência são permitidas desde que não
ultrapassem os limites impostos pela sociedade capitalista, ou seja, a oposição
pode existir e fazer o que quiser desde que não realize mudanças. Cria-se,
assim, uma oposição domesticada, discursiva, inofensiva. Caso ela, insista em
querer romper com as regras do jogo capitalista, o estado, “árbitro imparcial”,
responderá com a repressão, mais impiedosa do que o martelo de Thor, o deus do
trovão. O difícil é ver que as regras são determinadas pelo jogo e que,
portanto, o mal do males é este último.
O estado
capitalista, com o poder atribuído a ele pela legislação, segue normatizando a
democracia burguesa, as relações trabalhistas, a convivência religiosa, a
produção científica, cultural e artística, etc. Ele pode fazer isto
diretamente, através de suas instituições, tais como as universidades,
fundações, ministérios, etc., ou indiretamente, através da imposição da lei às
instituições privadas, tais como ocorre com os partidos políticos (lei
eleitoral e partidária), universidades e escolas particulares (leis da
educação), meios de comunicação (leis de imprensa), etc.
O estado
capitalista ao envolver todas essas instituições nas normas de funcionamento
ditadas pelas leis elaboradas para regularizar o conjunto de relações sociais
da sociedade burguesa, submete-as à dinâmica da reprodução das relações de
produção capitalistas, ou seja, acaba levando às instituições privadas a
cumprirem o mesmo papel que o seu
.
Mas isto não deve ocultar a existência de contradições internas da sociedade
civil (entre as frações da classe dominante e entre estas e as demais classes
que, por sua vez, também entram em conflito entre si) e desta com o estado
capitalista. Não é preciso ser muito perspicaz para compreender que é
impossível destruir a
reprodução sem
antes destruir a
produção, sua fonte,
e que conquistar a “hegemonia” na sociedade civil e, posteriormente, o estado
burguês ou então se apossar deste diretamente, não significa mais do que mudar
a forma de reprodução do capital, e,
simultaneamente,
conservar intocável o
modo de produção capitalista.
A luta
revolucionária do proletariado ocorre, sempre é bom lembrar, na produção, e se reproduz na sociedade
civil. Esta reprodução, devido à supremacia financeira da burguesia e ao estado
capitalista, é amortecida na sociedade civil e juntamente com esse
amortecimento das lutas de classes vê-se a dominação burguesa sair triunfante.
As instituições privadas das classes exploradas nascem envolvidas nas relações
de produção capitalistas e enfrentam tanto o poder privado da burguesia quanto
o seu poder coletivo expresso no estado capitalista (além de sua supremacia
cultural e apoio de suas classes auxiliares). Essas instituições acabam se
integrando na sociedade capitalista e reproduzindo-a. A história das relações
internas nos partidos políticos “ditos” de esquerda revela que o poder fica nas
mãos de quem detém a supremacia financeira e junto com isso ocorre a
burocratização e a separação entre direção e base, criando mais uma fração de
classe da burocracia, a burocracia partidária, que produz seus interesses
próprios e antagônicos aos do proletariado.
Aqueles que
possuem tempo e dinheiro para participar mais efetivamente das atividades
partidárias são, ao mesmo tempo, os que possuem maior “saber funcional
acumulado”
e
acabam tornando-se uma cúpula burocrática que se autonomiza e passa a criar e
defender interesses específicos que se opõem aos interesses da base. O
crescimento partidário e as regras da democracia burguesa criam uma divisão
social do trabalho interna no partido. Assim se forma a burocracia partidária,
esta recrutada nos elementos acima citados e em outros saídos do proletariado,
do campesinato, do lumpemproletariado, etc., que se autonomiza e, juntamente
com os elementos vindos da pequena-burguesia, da burocracia civil e estatal, da
intelectualidade que não estão na direção, elabora uma linha política
conservadora. Quanto mais o partido se integra na democracia burguesa, mais
fielmente ele irá reproduzir a sociedade burguesa no seu próprio interior.
Os sindicatos
foram criados pelos trabalhadores para representar seus interesses e por isso
foram combatidos pela burguesia. Mas a classe dominante, com a esperteza que lhe
é peculiar, resolveu reconhecê-los através do estado capitalista, que passou a regularizar
seu papel: negociar o preço da mercadoria força de trabalho. A partir disto o
papel dos sindicatos se enquadra dentro das relações de produção capitalistas e
não representam nenhuma ameaça aos interesses da classe dominante. O estado
capitalista também, através da legislação trabalhista, busca interferir na sua
organização e acaba colaborando com a formação de uma burocracia sindical –
formada por indivíduos surgidos das próprias classes exploradas – que se torna
uma elite dirigente desligada das bases e das lutas cotidianas dos
trabalhadores e com interesses próprios. Esta burocracia sindical, em muitos
casos, também adere aos partidos de “esquerda” e reforçam a política
conservadora destes.
Mesmo as
organizações de base das classes exploradas acabam se incluindo na dinâmica do
capital, tal como o exemplo das associações de bairros no Brasil ou os
conselhos de fábrica na Europa Ocidental. Isto também ocorre em movimentos
sociais como, por exemplo, o movimento negro, o movimento ecológico, o
movimento feminista, o movimento estudantil, etc. Um conjunto de fatores
provoca isto: as condições desfavoráveis de vida dos trabalhadores, e todas as
implicações derivadas daí: falta de tempo, cansaço, pouca disposição para
leitura, dificuldades financeiras que dificultam acesso à informação e
possibilidade de contribuição voluntária aos movimentos políticos do
proletariado, desânimo ao não ver resultados imediatos, a influência dos meios
oligopolistas de comunicação, a burocratização e mercantilização das relações
sociais, etc.; a reprodução da mentalidade e da ideologia dominante (racismo,
sexismo, carreirismo, luta por “status”, competição, etc.), a ação do estado
capitalista e das instituições privadas, tanto através leis elaboradas para
regulamentar suas atividades e/ou forma de organização, e de outras ações, tais
como a cooptação de lideranças em troca de benefícios pessoais, a dotação de recursos
financeiros em troca do cumprimento de certas exigências, etc.
Desta forma, nem
mesmo as organizações de base estão livres da burocratização, da corrupção,
etc. E, por isso, é necessário elaborar mecanismos que impeçam a integração
destas organizações na sociedade capitalista, embora, para sermos realistas,
nenhum mecanismo pode garantir totalmente isto. Entretanto, a pouca
possibilidade de se conseguir isto não deve servir de justificativa para não
buscar a sua efetivação. Essas organizações de base quando se passa da guerra civil oculta para a guerra civil aberta mudam de caráter
devido à intensa mobilização e participação em períodos revolucionários e,
conseqüentemente, à crise geral da ideologia dominante, a possibilidade visível
de se “mudar a vida” e o entusiasmo derivado daí, a autogestão das lutas
revolucionárias e o conflito aberto com o estado e outras instituições, etc. É
necessário não se perder de vista o papel conservador da ação dos partidos de
“esquerda” nessas organizações e movimentos: submissão dos interesses específicos
destes movimentos e organizações aos interesses do partido, seja o interesse
eleitoral dos reformistas ou os interesses de aparelhamento dos jacobinos
(leninistas, stalinistas, trotskistas, maoístas, etc.).
As instituições
burguesas (estatais ou privadas) existem para reproduzir as relações
capitalistas de produção. As formas sob as quais ela executa isso são
financeiras (cooptação, corrupção, etc.), políticas (repressão, burocratização,
etc.) e culturais (produção e reprodução da ideologia dominante de inúmeros
modos), etc. É neste último ponto que a classe dominante com suas instituições
(privadas e estatais) busca atingir toda a sociedade. Os dois objetivos
fundamentais da ideologia são conseguir justificar, em primeiro lugar, as
relações de produção capitalistas e, em segundo lugar, o estado capitalista, a
principal fonte de reprodução do modo de produção capitalista.
As relações de
produção capitalistas se apresentam à primeira vista como o “mundo da
mercadoria”, onde tudo é apresentado como possuindo um valor de troca. Essas
relações mercantis atingem até as relações sociais fazendo com que as pessoas
sejam consideradas como portadoras de mercadorias (a valorização do ter em detrimento do ser). Se quase tudo se torna uma
mercadoria, então passa a ser necessária a figura de um intermediário, de agências,
de distribuidores e, portanto, normas que regularizem essas relações e organizações
com os seus funcionários que “racionalizem” e “facilitem” as negociações. Em
síntese: com a ascensão do capitalismo há uma mercantilização e uma burocratização
crescentes das relações sociais.
O que muitos
críticos da sociedade contemporânea não conseguem observar é a relação entre
mercantilização e burocratização, pois a primeira para expandir necessita da
expansão da burocratização, e por isso enxergam apenas um dos dois fenômenos e
os tomam isolados, operando, conseqüentemente, uma crítica limitada das
modernas sociedades capitalistas. O fundamento desse “mundo da mercadoria” se
encontra na produção, onde a classe exploradora extrai mais-trabalho da classe
explorada sob a forma de mais-valor que se realiza no mercado. Portanto, é esta
forma específica de exploração que oferece toda a dinâmica do modo de produção
e da sociedade capitalista. É devido a esta produção de mais-valor que se cria
a tendência à queda da taxa de lucro médio e as constantes crises cíclicas do
capitalismo. Esse processo de exploração também é a fonte da burocratização,
pois instaura a relação dirigentes-dirigidos no processo de produção, e estas
se expandem para as outras instituições sociais, criando um campo fértil para a
burocratização do mundo.
A ideologia
dominante vem para justificar essas relações de produção e todas as relações
sociais derivadas daí. Mas, antes da ideologia vir justificá-las, os indivíduos
envolvidos nestas relações as compreendem como “naturais”, simplesmente porque
nasceram envolvidos nelas, não existe nenhuma alternativa presente e se torna
difícil imaginar uma sociedade com relações sociais diferentes, sem estado, sem
dinheiro, sem divisão social do trabalho, etc. As representações cotidianas
ilusórias, bem como os valores dominantes, acabam dominando a mente mesmo de
grande parte dos indivíduos das classes exploradas.
É claro que
aqueles que se sentem descontentes com este mundo coisificado assumem uma
posição contraditória em relação a essa sociedade. Mas é necessário para que a
insatisfação se torne práxis
revolucionária: 1) a insatisfação seja acompanhada pela esperança, ou seja,
por uma utopia; 2) essa utopia deve ser concreta, ou seja, deve apresentar-se
como possibilidade real e isto, para a grande maioria dos indivíduos, só se
torna visível na prática, ou seja, em
períodos revolucionários.
Portanto, para
que a práxis revolucionária ocorra coletivamente é necessário que se passe para
a guerra civil aberta, pois com isso a práxis revolucionária de alguns
indivíduos e movimentos supera suas contradições internas e se generalizam ao
nível de toda sociedade.
A tarefa da
ideologia dominante é sistematizar e consolidar as representações ilusórias
criadas pela própria sociedade e apresentá-las como idéias “científicas”, “filosóficas”,
“teológicas”, etc. A divisão social do trabalho cria inúmeras “autoridades” que
elaboram o discurso sobre a moral, a saúde, a “economia”, a “política”, o meio
ambiente, a religião, a educação, o sexo, a cultura, a sociedade, a história,
etc. Cada discurso vem acompanhado de um conjunto de termos só acessíveis aos
especialistas do assunto, ou seja, cria-se um “mundo maçônico” que fundamenta o
discurso técnico como “superior”, como “saber competente”. Com isso o que já
era tido como “natural” por estar presente na vida e na prática cotidiana passa
a ser visto como o “mundo realmente existente”, aquilo que, apesar de suas
contradições e imperfeições, existe de fato como expressão da “natureza humana”
e é, por isso, insuperável e pode no máximo ser “reformado”, tal como expresso agora
pelas “autoridades científicas”.
A classe
capitalista explora e oprime os trabalhadores nas fábricas de acordo com as
necessidades do capital e como resposta à resistência operária. Mas as relações
sociais capitalistas (competição e mercantilização e burocratização crescente
das relações sociais) não se limitam ao local de produção. Estas relações se expandem
para todos os domínios da vida social e assim a alienação se generaliza,
invadindo todas as relações sociais. A conseqüência disto é que a insatisfação
passa a ocorrer não apenas no trabalho e sim em todos os setores da vida
social.
Essa insatisfação
cria uma cultura contraditória que revela elementos de aceitação coexistindo
com elementos de negação da sociedade capitalista. Cabe às forças
revolucionárias reforçarem os aspectos subversivos da cultura popular e erudita
e buscarem romper com a ideologia dominante criando uma cultura política (no
sentido amplo do termo, ou seja, englobando todas as formas de manifestação das
lutas de classes: culturais, cotidianas, valorativas, etc.) libertária, revolucionária
e, como tais forças não estão isentas de contradições e de submissão à
ideologia dominante, realizar um amplo processo de constante autocrítica.
Para que a
elaboração e divulgação/recepção dessa cultura política libertária/revolucionária
não seja um privilégio de uma elite, é necessário criar formas alternativas de
produção e divulgação e também se realizar a descentralização e democratização
das formas já existentes.
Portanto, a luta
cultural é um ponto fundamental das lutas de classes no mundo contemporâneo.
Ela deve ocorrer em todas as instâncias da vida social. Ela deve ocorrer nas
instituições burguesas, nos meios oligopolistas de comunicação, nos locais de
moradia das classes exploradas, etc. Ela também deve ser dirigida também rumo
às forças políticas de “esquerda” que reproduzem a sociedade burguesa adotando
uma prática política burguesa nos movimentos sociais, tais como, por exemplo, o
aparelhismo, o oportunismo, o carreirismo, o individualismo, etc., e aos
militantes que reproduzem a ideologia dominante ou uma prática política
burguesa de forma não-consciente.
As Tarefas Atuais dos Militantes
Autogestionários
Uma das tarefas
mais prementes dos militantes autogestionários é a formação de uma expressão
política e consciente do bloco revolucionário, formado por um conjunto de
forças políticas, classes, frações de classes, movimentos sociais, indivíduos,
correntes de esquerda, que são revolucionárias ou potencialmente
revolucionárias ou, ainda, que podem em determinado momento cumprir um papel
revolucionário. A unificação da esquerda revolucionária e dos movimentos
sociais é outro fator fundamental para tornar este bloco revolucionário um
movimento que tenha força não apenas para combater o reformismo, mas para
sustentar um apoio real e poderoso a todos os confrontos particulares com a
burguesia e o estado capitalista.
Os militantes autogestionários podem
desenvolver ações individuais ou produzirem coletivos de ação política. A
necessidade de uma auto-organização dos militantes autogestionários se deve ao
fato de que uma associação possui mais eficácia na luta política. Sem dúvida, a
auto-organização dos militantes autogestionários deve ser marcada pela busca de
autogestão interna e ter a autogestão social como objetivo prioritário e final.
Não se trata de reproduzir a concepção leninista ou social-democrata de crescimento
organizacional, pois a auto-organização revolucionária dos militantes
autogestionários é apenas um meio para reforçar a luta proletária pela
autogestão social e não um fim em si mesmo. Estes coletivos devem incentivar a
formação de outros coletivos e buscar não reproduzir a sociabilidade
capitalista e mentalidade burguesa no seu interior. O coletivo autogestionário,
caso se corrompa e abandone o projeto revolucionário, deve ser destruído ou
combatido. Seu objetivo é reforçar a luta proletária no sentido de incentivar o
aceleramento do processo revolucionário e da criação de correlação de forças
favorável ao proletariado, através das mais variadas atividades, dentro de suas
condições e possibilidades, incluindo a formação de uma expressão política e
consciente do bloco revolucionário.
Este bloco
revolucionário deve ser considerado como uma “união de movimentos
revolucionários” agrupando diversos setores da classe operária, do campesinato,
do lumpemproletariado, etc. E os mais variados movimentos sociais de esquerda
(ecológico, negro, das mulheres, estudantil, urbanos em geral, etc.) e grupos
políticos e indivíduos. Mas não se deve considerar integrantes do bloco apenas
os que aderem a ele, estes seriam sua expressão política manifesta, mas ele
seria o conjunto das forças que citamos anteriormente.
Este bloco
revolucionário tem como objetivo articular as lutas específicas com a luta
geral do proletariado e executar todas as tarefas revolucionárias colocadas na
ordem do dia. Isto significa que ele deve procurar se estruturar de forma que
possa levar a cabo suas tarefas, ou seja, deve conquistar tanto recursos
humanos (representantes teóricos do proletariado, militantes autogestionários, etc.)
quanto recursos materiais (financeiros, locais de reuniões, publicações, etc.)
desde que não se perca de vista que eles são apenas meios e nunca objetivos,
para com isso evitarmos a corrupção e burocratização das forças
revolucionárias. Pois a ênfase deve ser colocada sempre no movimento e nunca na organização,
que, dependendo da situação, talvez seja necessário sua própria destruição.
Deve-se no
interior do bloco revolucionário, evitar todas as formas de reprodução das
relações sociais típicas do capitalismo. Para conseguir isso é preciso evitar o
burocratismo e, a divisão social do trabalho e, principalmente a autonomização
da “direção” implantando-se relações horizontais, éticas, transparentes, sob o
princípio da mais ampla liberdade de expressão e fiscalização. Por isso, também
é necessário se realizar uma constante autocrítica de idéias e práticas
políticas e um amplo intercâmbio entre movimentos sociais para que através
disto se supere a reprodução da ideologia e da mentalidade dominantes no
movimento revolucionário.
O bloco
revolucionário deve caminhar no sentido da autogestão coletiva de suas
atividades. Outra necessidade é combater o poder derivado da supremacia
financeira através da contribuição não-obrigatória aos que não possuem recursos
e outras formas que impeçam a reprodução das relações mercantis no movimento
revolucionário, permitindo, assim, a participação efetiva dos setores mais
desfavorecidos das classes exploradas. O objetivo fundamental dos militantes
autogestionários deve ser a instauração da sociedade autogerida, o que
significa, a sua própria abolição e integração nos coletivos de autogestão
social.
A Autonomização da Classe Operária
O processo de
acirramento da luta de classes que leva a autonomização da classe operária
criará um conjunto de atividades e de formas de lutas autônomas e autogeridas
do proletariado. Por isso, o conjunto da classe revolucionária se autonomiza em
relação aos partidos, sindicatos, etc. É neste momento que os militantes
autogestionários terão que provar na prática o seu caráter revolucionário. Eles
deverão reforçar o processo de autonomização do proletariado em relação a si
mesmo e às instituições da sociedade burguesa incentivando a autogestão das
lutas operárias pela própria classe operária.
Os militantes
autogestionários devem, assim, manter uma unidade de ação com a classe que se
revela na sua subsunção ao movimento revolucionário do proletariado e impede,
com isso, o surgimento de uma instituição ou organização contra-revolucionária
e que busca conquistar o poder estatal e reproduzir o capitalismo ou criar um
novo modo de produção classista.
A autonomização
da classe operária se revela um movimento difuso de autogestão que se espalha
por toda a sociedade e que se expande para todos os outros movimentos sociais,
transformando radicalmente o modo de vida, questionando a divisão social do
trabalho, a burocratização e mercantilização das relações sociais, a competição
social, o estado, a divisão capitalista do espaço, a cultura dominante, as
relações entre as raças, as relações sociais e sexuais entre os sexos, as
relações familiares, as artes, o trabalho, as formas de comunicação e lazer,
enfim, todo um modo de vida alienado. Portanto, a autonomização da classe
operária, que se inicia na luta de classes na produção, é o ponto de partida
para a instauração da autogestão social.
A Autogestão Como Resultado Positivo da
Guerra Civil Aberta
A passagem da
guerra civil oculta à guerra civil aberta expressa o processo de autonomização
da classe operária e das demais classes exploradas e dos movimentos sociais
gerando a autogestão das lutas sociais pelas classes exploradas e pelos
movimentos sociais. Mas haverá a reação intransigente da classe dominante e sua
principal instituição, o estado capitalista. É aí que se vê a possibilidade de
contra-revolução burguesa. Porém, além dessa tentativa de contra-revolução
conservadora, existem outras possibilidades de contra-revolução surgidas a
partir da ação de outras classes sociais. A burocracia, através de alguma de
suas instituições, o mais provável sendo um partido político “dito” de esquerda,
poderá tentar realizar uma contra-revolução burocrática assumindo o poder do
estado e reproduzindo a “lei do valor” sob o capitalismo de estado. Ou, então,
caso consiga abolir a “lei do valor”, implantar um modo de produção burocrático
onde a ditadura se torna o único suporte desse monstro hierárquico. As demais
classes sociais dificilmente poderiam realizar uma contra-revolução, embora
possam tentar, no caso de nenhuma das forças fundamentais conseguirem
desequilibrar a luta. Tal possibilidade, entretanto, é extremamente remota e
nenhuma outra classe social possui um projeto político ou ligação efetiva com o
processo capitalista de produção para apresentar uma alternativa viável.
Portanto, a luta
de classes durante a guerra civil aberta é de uma complexidade enorme e a
vitória do proletariado depende do sucesso do movimento gerar a autogestão na
produção e na sociedade em contraposição ao poder do estado capitalista.
Qualquer classe que queira realizar a contra-revolução só poderá fazê-lo
apossando-se ou utilizando o estado capitalista e, por isso, a dualidade política
manifesta a luta da revolução e da contra-revolução, esta última podendo se
apresentar de diversas formas. A guerra civil aberta só apresentará um
resultado positivo se o estado capitalista – e o estado em geral, pois este
pode se reproduzir sob outra forma criando uma nova dominação de classe – for destruído e a autogestão se generalizar em toda a sociedade. Assim, o reino da
necessidade será substituído pelo reino da liberdade, onde a livre associação
revolucionária dos produtores decidirá os destinos dos seres humanos, a
autogestão do destino do ser humano pelo próprio ser humano.
Assim, a tarefa
dos militantes autogestionários não é ser a “vanguarda” do proletariado ou
tomar o poder estatal. Sua tarefa é contribuir com o aceleramento do processo
revolucionário e com o fortalecimento das lutas operárias, realizando uma
articulação no interior do bloco revolucionário e buscando a autonomização do
proletariado e a passagem da guerra civil oculta para a guerra civil aberta,
até instituir a autogestão social. Neste momento, os militantes
autogestionários passam a se integrar nos coletivos de autogestão social e
passam a ser indivíduos livremente associados na sociedade autogerida.
Para André Gorz, esta seria “a” fraqueza. A causa
disto, segundo ele, se encontra na tese da queda inevitável do capitalismo.
Esperava-se que a crise do capitalismo cria-se uma situação de miséria
crescente do proletariado e por isso as pequenas conquistas dos trabalhadores
dentro do capitalismo poderiam diminuir a insatisfação dos trabalhadores e,
conseqüentemente, a sua capacidade revolucionária. Isto poderia tornar o
capitalismo “suportável” (Cf. Gorz, André.
Estratégia Operária e Neocapitalismo.
Rio de Janeiro, Zahar, 1968).