quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Prefácio do Manifesto Autogestionário

Prefácio







O presente manifesto é um plágio. Um plágio descarado do Manifesto Comunista de Marx e Engels. E é mais do que um plágio: é um plágio de um plágio, afinal, muitos os acusaram de terem plagiado o Manifesto da Democracia, de Victor Considerant[1].
Marx plagiou Considerant?
O Manifesto da Democracia foi publicado cinco anos antes do Manifesto Comunista, mas somente uma análise detalhada do conteúdo dos dois textos, juntamente com outros elementos, poderia responder a esta questão[2].
De qualquer forma, o presente plágio é formal, embora o conteúdo tenha semelhanças, principalmente nas duas primeiras seções. Este é um alegre plágio atualizador. Seria bom se cada indivíduo escrevesse o seu próprio Manifesto Comunista, pois isto estaria de acordo com uma concepção libertária, segundo a qual cada indivíduo deve se formar e se aperfeiçoar no sentido de se armar para contribuir com o processo emancipatório da humanidade.
O motivo de um plágio nunca é apenas manifestar a arte do plagiador, pois sempre existe outro objetivo: a fama, o dinheiro, entre outras prosaicas motivações burguesas. No entanto, aqui o plágio tem outro objetivo: contribuir com o processo de libertação humana.
A forma do plágio tem sua origem na necessidade de repensar tudo o que foi apresentado no Manifesto Comunista, mas de forma atualizada. Os autores do Manifesto buscaram, na medida do possível, atualizar o texto, tal como se vê nos seus prefácios às edições posteriores. A principal atualização foi o abandono da concepção estatizante em favor de uma concepção autogestionária, mutação ocorrida após a heróica experiência proletária da Comuna de Paris. No entanto, os leitores pouco se preocuparam com as revisões dos prefácios às novas edições. Aqui, o caráter autogestionário é ressaltado, transformando-se no centro do manifesto. Não é uma “correção”, é o princípio fundamental. Além disso, as mudanças históricas pós-manifesto nos deram muitas lições que Marx e Engels incorporariam na obra.
A parte do Manifesto Comunista menos passível de mudanças é a referente à luta entre burguesia e proletariado (cujo título é “burgueses e proletários”). No entanto, aí há mudanças formais para impedir deformações e uma maior clareza ajuda na elaboração de um novo manifesto. Também há a incorporação de uma breve análise do desenvolvimento capitalista recente, apresentando a atual fase do capitalismo e seu processo de crescente decomposição.
O presente manifesto toma como ponto de partida a situação atual, concreta, da sociedade moderna. Realiza uma análise do capitalismo, ponto de partida necessário para se passar para o processo de transformação social e instauração da sociedade autogerida. Iremos apresentar o movimento do capital, isto é, da classe capitalista, do processo de acumulação, apontando suas contradições, e da potencialidade revolucionária que surge no seu interior, no movimento operário. A primeira parte deste manifesto se dedica a esclarecer o processo de exploração e dominação e o processo de luta pela libertação.
A segunda seção focaliza o engendramento do comunismo, da sociedade autogerida, surge como possibilidade e potencialidade na relação-capital. As lutas operárias, desde a formação da classe operária, e de outros setores sociais, apontam para a possibilidade revolucionária, o desenvolvimento da consciência revolucionária, a auto-organização, o engendramento de formas de ações e organizações que são o embrião da futura sociedade autogerida.
Neste processo, nesta luta de classes, temos que nos posicionar, agir. A terceira seção trabalha justamente isto: o que devemos fazer neste processo concreto, real, permanente, de lutas? Qual nosso papel neste contexto? A discussão sobre o papel dos militantes autogestionários (que no Manifesto de Marx e Engels corresponde à seção “Comunistas e Proletários”) é fundamental, principalmente depois da deformação do pensamento marxista realizado pelo leninismo e social-democracia.
Ao discutir nossa ação política, é preciso também analisar a prática política que, em muitos casos, dizem ter objetivos semelhantes ou que podem possuir alguma relação com a nossa posição. Isto nos remete à quarta parte, voltada para discutir as tendências contemporâneas oposicionistas e seus limites. As diversas oposições na sociedade contemporânea devem ser analisadas e ver o seu papel no contexto das lutas sociais atuais.
Por fim, a luta pela sociedade autogerida é a constituição de uma utopia, a realização de sonhos e desejos antigos. Não é possível prever os detalhes da futura sociedade, o que seria utopismo, mas podemos delinear, em linhas gerais, partindo das teorias revolucionárias e das experiências históricas, as características fundamentais da nova sociedade. Neste sentido, dedicamos a última seção a discutir a sociedade autogerida, a realização do sonho da libertação humana, o objetivo e razão de ser deste manifesto.
Para concluir, deixamos claro que este texto é um manifesto. É o ato de manifestar uma determinada concepção política, fundada em determinada teoria da sociedade, com o objetivo de fortalecer a tendência que se deseja. É uma arma de luta e neste sentido não pode poupar nada e ninguém. A arma da crítica vem acompanhada por um projeto autogestionário. É uma obra simultaneamente afirmativa e negativa. Nega o domínio do capital e afirma o domínio dos seres humanos livremente associados, a autogestão. É um manifesto que busca desencadear muitas outras manifestações e destas manifestações possa brotar a manifestação de uma sociedade autogerida.



[1] Veja esta acusação em: Rocker, R. Marx e o Anarquismo. In: Guérin, Daniel e outros. Os Anarquistas Julgam Marx. Brasília, Novos Tempos, 1986. É bastante duvidoso que isto seja verdadeiro. Em primeiro lugar, Considerant dificilmente teria as mesmas teses expostas por Marx, embora pudesse haver semelhanças em alguns pontos; em segundo lugar, O Manifesto Comunista foi inspirado em um texto anterior de Engels, Princípios do Comunismo, a não ser que se considere que este também tenha plagiado o Manifesto de Considerant. Por último, mesmo que haja muitas semelhanças, isto não anula a originalidade de Marx e um anarquista honesto como Luigi Fabri coloca bem isto ao comentar duas frases de Marx (“Proletários de todo o mundo, uni-vos” e “a emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores”): “falamos, compreenda-se, das idéias contidas naquelas duas frases e não apenas das simples palavras. Essas idéias, sob outra forma, haviam sido expostas por outros também, antes de Marx, porém ninguém em seu tempo nem antes que ele, lhes haviam dado tanta importância, e nem as haviam defendido com uma argumentação e documentação histórica tão apaixonada, nem lhes havia, como propaganda tão assídua, assentado tão eficazmente na cabeça dos trabalhadores e de quantos se dedicassem ao estudo do problema social no interesse da classe operária. O mesmo pode-se dizer dos dois conceitos marxistas, que se completam mutuamente, o de luta de classes e o de materialismo histórico. Nos outros escritores socialistas chamados utopistas, anteriores a Marx, e em outros economistas, ainda não socialistas, se encontram muitos de tais conceitos, porém Marx e Engels tiveram o mérito de coordená-los em um sistema, de apresentá-los com uma roupagem científica, de fornecer-lhes uma coesão lógica, de fazê-los, enfim, um argumento de propaganda, uma arma de luta para a classe operária” (Fabri, Luigi. Dictadura y Revolución. Buenos Aires, Projección, 1967, p. 150). 
[2] Depois de ter escrito estas páginas, tivemos acesso à obra de Considerant e a idéia de que Marx tenha plagiado tal obra é totalmente equivocada. Apenas o início dos dois textos, sobre as lutas de classes em sociedades pré-capitalistas é semelhante e mais alguns detalhes. A grande questão é que muitos repetem acriticamente tais afirmações sem conferir os textos originais. Devido a isto estamos preparando uma tradução do livro de Considerant com um prefácio esclarecendo as relações entre as duas obras e o suposto plágio.

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