Prefácio
O presente
manifesto é um plágio. Um plágio descarado do Manifesto Comunista de Marx e Engels. E é mais do que um plágio: é
um plágio de um plágio, afinal, muitos os acusaram de terem plagiado o Manifesto da Democracia, de Victor
Considerant[1].
Marx plagiou
Considerant?
O Manifesto da Democracia foi publicado cinco
anos antes do Manifesto Comunista,
mas somente uma análise detalhada do conteúdo dos dois textos, juntamente com
outros elementos, poderia responder a esta questão[2].
De qualquer
forma, o presente plágio é formal, embora o conteúdo tenha semelhanças, principalmente
nas duas primeiras seções. Este é um alegre plágio atualizador. Seria bom se
cada indivíduo escrevesse o seu próprio Manifesto
Comunista, pois isto estaria de acordo com uma concepção libertária,
segundo a qual cada indivíduo deve se formar e se aperfeiçoar no sentido de se
armar para contribuir com o processo emancipatório da humanidade.
O motivo de um
plágio nunca é apenas manifestar a arte do plagiador, pois sempre existe outro objetivo:
a fama, o dinheiro, entre outras prosaicas motivações burguesas. No entanto,
aqui o plágio tem outro objetivo: contribuir com o processo de libertação
humana.
A forma do plágio
tem sua origem na necessidade de repensar tudo o que foi apresentado no Manifesto Comunista, mas de forma
atualizada. Os autores do Manifesto
buscaram, na medida do possível, atualizar o texto, tal como se vê nos seus
prefácios às edições posteriores. A principal atualização foi o abandono da
concepção estatizante em favor de uma concepção autogestionária, mutação
ocorrida após a heróica experiência proletária da Comuna de Paris. No entanto,
os leitores pouco se preocuparam com as revisões dos prefácios às novas
edições. Aqui, o caráter autogestionário é ressaltado, transformando-se no
centro do manifesto. Não é uma “correção”, é o princípio fundamental. Além
disso, as mudanças históricas pós-manifesto nos deram muitas lições que Marx e
Engels incorporariam na obra.
A parte do Manifesto Comunista menos passível de
mudanças é a referente à luta entre burguesia e proletariado (cujo título é
“burgueses e proletários”). No entanto, aí há mudanças formais para impedir
deformações e uma maior clareza ajuda na elaboração de um novo manifesto. Também há a incorporação de
uma breve análise do desenvolvimento capitalista recente, apresentando a atual
fase do capitalismo e seu processo de crescente decomposição.
O presente
manifesto toma como ponto de partida a situação atual, concreta, da sociedade
moderna. Realiza uma análise do capitalismo, ponto de partida necessário para
se passar para o processo de transformação social e instauração da sociedade
autogerida. Iremos apresentar o movimento do capital, isto é, da classe
capitalista, do processo de acumulação, apontando suas contradições, e da
potencialidade revolucionária que surge no seu interior, no movimento operário.
A primeira parte deste manifesto se dedica a esclarecer o processo de
exploração e dominação e o processo de luta pela libertação.
A segunda seção
focaliza o engendramento do comunismo, da sociedade autogerida, surge como
possibilidade e potencialidade na relação-capital. As lutas operárias, desde a
formação da classe operária, e de outros setores sociais, apontam para a
possibilidade revolucionária, o desenvolvimento da consciência revolucionária,
a auto-organização, o engendramento de formas de ações e organizações que são o
embrião da futura sociedade autogerida.
Neste processo,
nesta luta de classes, temos que nos posicionar, agir. A terceira seção
trabalha justamente isto: o que devemos fazer neste processo concreto, real,
permanente, de lutas? Qual nosso papel neste contexto? A discussão sobre o
papel dos militantes autogestionários (que no Manifesto de Marx e Engels
corresponde à seção “Comunistas e Proletários”) é fundamental, principalmente
depois da deformação do pensamento marxista realizado pelo leninismo e
social-democracia.
Ao discutir nossa
ação política, é preciso também analisar a prática política que, em muitos
casos, dizem ter objetivos semelhantes ou que podem possuir alguma relação com
a nossa posição. Isto nos remete à quarta parte, voltada para discutir as
tendências contemporâneas oposicionistas e seus limites. As diversas oposições
na sociedade contemporânea devem ser analisadas e ver o seu papel no contexto
das lutas sociais atuais.
Por fim, a luta
pela sociedade autogerida é a constituição de uma utopia, a realização de
sonhos e desejos antigos. Não é possível prever os detalhes da futura
sociedade, o que seria utopismo, mas podemos delinear, em linhas gerais,
partindo das teorias revolucionárias e das experiências históricas, as
características fundamentais da nova sociedade. Neste sentido, dedicamos a
última seção a discutir a sociedade autogerida, a realização do sonho da
libertação humana, o objetivo e razão de ser deste manifesto.
Para concluir,
deixamos claro que este texto é um manifesto.
É o ato de manifestar uma determinada concepção política, fundada em
determinada teoria da sociedade, com o objetivo de fortalecer a tendência que
se deseja. É uma arma de luta e neste sentido não pode poupar nada e ninguém. A
arma da crítica vem acompanhada por um projeto autogestionário. É uma obra
simultaneamente afirmativa e negativa. Nega o domínio do capital e afirma o
domínio dos seres humanos livremente associados, a autogestão. É um manifesto
que busca desencadear muitas outras manifestações e destas manifestações possa
brotar a manifestação de uma sociedade autogerida.
[1] Veja
esta acusação em: Rocker, R. Marx e o Anarquismo. In: Guérin, Daniel e outros. Os Anarquistas Julgam Marx. Brasília,
Novos Tempos, 1986. É bastante duvidoso que isto seja verdadeiro. Em primeiro
lugar, Considerant dificilmente teria as mesmas teses expostas por Marx, embora
pudesse haver semelhanças em alguns pontos; em segundo lugar, O Manifesto Comunista foi inspirado em
um texto anterior de Engels, Princípios
do Comunismo, a não ser que se considere que este também tenha plagiado o Manifesto de Considerant. Por último,
mesmo que haja muitas semelhanças, isto não anula a originalidade de Marx e um
anarquista honesto como Luigi Fabri coloca bem isto ao comentar duas frases de
Marx (“Proletários de todo o mundo, uni-vos” e “a emancipação dos trabalhadores
é obra dos próprios trabalhadores”): “falamos, compreenda-se, das idéias
contidas naquelas duas frases e não apenas das simples palavras. Essas idéias,
sob outra forma, haviam sido expostas por outros também, antes de Marx, porém
ninguém em seu tempo nem antes que ele, lhes haviam dado tanta importância, e
nem as haviam defendido com uma argumentação e documentação histórica tão
apaixonada, nem lhes havia, como propaganda tão assídua, assentado tão
eficazmente na cabeça dos trabalhadores e de quantos se dedicassem ao estudo do
problema social no interesse da classe operária. O mesmo pode-se dizer dos dois
conceitos marxistas, que se completam mutuamente, o de luta de classes e o de
materialismo histórico. Nos outros escritores socialistas chamados utopistas,
anteriores a Marx, e em outros economistas, ainda não socialistas, se encontram
muitos de tais conceitos, porém Marx e Engels tiveram o mérito de coordená-los
em um sistema, de apresentá-los com uma roupagem científica, de fornecer-lhes
uma coesão lógica, de fazê-los, enfim, um argumento de propaganda, uma arma de
luta para a classe operária” (Fabri,
Luigi. Dictadura y Revolución. Buenos
Aires, Projección, 1967, p. 150).
[2]
Depois de ter escrito estas páginas, tivemos acesso à obra de Considerant e a
idéia de que Marx tenha plagiado tal obra é totalmente equivocada. Apenas o
início dos dois textos, sobre as lutas de classes em sociedades
pré-capitalistas é semelhante e mais alguns detalhes. A grande questão é que
muitos repetem acriticamente tais afirmações sem conferir os textos originais.
Devido a isto estamos preparando uma tradução do livro de Considerant com um
prefácio esclarecendo as relações entre as duas obras e o suposto plágio.
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